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Em abril, o Dicionário de Favelas Marielle Franco completou cinco anos de pesquisa em informação, comunicação e difusão do conhecimento produzido sobre e pelas favelas. A história da plataforma, lançada pelo Icict/Fiocruz em 2019, vem de uma trajetória coletiva em torno da construção de direitos e cidadania. No texto a seguir, a equipe do Wikifavelas conta mais sobre o processo de criação e consolidação do projeto.
A pesquisadora da Fiocruz, Sonia Fleury, se deparou com uma situação distinta da área de saúde ao iniciar um trabalho de pesquisa em favelas, no início da década de 2010, em busca de um encontro com aqueles que ainda lutam pela construção de seus direitos de cidadania. Enquanto a saúde coletiva havia alcançado alto grau de institucionalização, possuindo uma rede de produção e divulgação científica composta por inúmeras instituições, o conhecimento sobre favelas continuava fragmentado em distintas instituições e campos disciplinares. Ao mesmo tempo, observa-se nas favelas uma potência emergente, representada por inúmeros centros culturais, museus, lideranças, coletivos de jovens, dentre outros, que buscam reconhecimento e maior redistribuição de recursos públicos para apoiar seus trabalhos.
O Dicionário de Favelas nasceu como este espaço que, utilizando uma tecnologia de ponta, a plataforma wiki, fosse capaz de fomentar o intercâmbio, a produção e divulgação dos conhecimentos sobre as favelas, de uma forma coletiva, horizontal e decolonial. Para Sonia Fleury, coordenadora do Dicionário de Favelas Marielle Franco, o desafio permanente desta proposta é superar os estereótipos e preconceitos - raciais, territoriais e de gênero - que propiciam o apagamento de sua memória e cultura e, desta forma, a reprodução da desvalorização da população das favelas, promovendo assim sua exclusão e superexploração.
O Dicionário de Favelas começou a ser formulado em 2016, como o acolhimento dessa proposta inicial, viabilizada pelo pesquisador da área de TI, Marcelo Fornazin, por uma rede formada por lideranças comunitárias, instituições acadêmicas e coletivos locais que hoje compõem o Conselho Editorial. Ainda na gestão da presidente da Fiocruz, Nísia Trindade, ela mesma pesquisadora das lutas das favelas, o Dicionário de Favelas se insere no Instituto de Comunicação e Informação Científica em Saúde (Icict), sendo lançado em 2019, e ganhando, desta forma, apoio técnico em áreas cruciais para seu desenvolvimento.
O Dicionário de Favelas Marielle Franco se baseia em uma plataforma virtual aberta, gratuita e livre que funciona de forma colaborativa, reunindo conhecimento sobre as favelas e periferias em formato de verbetes que podem ser enviados por qualquer um(a) que esteja inscrito(a) como colaborador(a). Os verbetes são textos autorais, podendo incluir fotos, vídeos, poemas, entrevistas, biografias, resumo de livros e todas as formas de manifestação, escrita ou oral, que se inscreva no contexto das periferias e favelas, do Brasil e do mundo. A forma verbete diz respeito à etimologia da palavra que vem de Verbo, pois compreendemos que o sujeito se constitui na interação dialógica, através da expressão de seu ponto de vista sobre o mundo. O projeto, com isso, tem como objetivo favorecer a preservação da memória e identidades coletivas dos(as) moradores(as) das favelas e periferias do Brasil (e do mundo), como parte do compromisso com as lutas pela expansão da cidadania e do direito à cidade.
Atualmente, a plataforma contém mais de 2.000 verbetes cadastrados, contando com cerca de 1400 colaboradores(as), sob as temáticas relacionadas ao associativismo e história, às políticas públicas e à economia, aos processos culturais e de socialização, ao enfrentamento do coronavírus nas favelas. Em 2023, foram criados mais de 600 novos verbetes, alcançando cerca de 9 milhões de acessos à wikiFavelas - o que destaca a plataforma como a quinta mais acessada em toda a Fiocruz. As temáticas mais abordadas na atualidade são: 1) Cultura (376 verbetes); 2) Associativismo e Movimentos Sociais (348 verbetes); 3) Violência (225 verbetes); 4) Favelas e Periferias (222 verbetes); 5) Coronavírus (113 verbetes).
E, para além da plataforma, espaço de compartilhamento de conhecimentos, o projeto também realiza oficinas, grupos de estudo, ciclos de debates e cursos de formação, visando a ampliação do acesso a tecnologias e saberes que permitam que todos(as) sejam capazes de contar e preservar suas memórias, intensificando a ação coletiva e incidindo politicamente sobre o futuro das cidades. Com o objetivo de alcançar cada vez mais o público-alvo, que engloba desde pesquisadores(as) sobre o tema, a moradores(as), lideranças e professores, a equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco mantém canais nas redes sociais, como Instagram e Facebook, e colunas mensais, como no blog Outras Palavras, além de um Boletim Informativo mensal enviado a todos os usuários cadastrados na plataforma. Além disso, promovemos um Ciclo de Debates com lives com a participação de lideranças discutindo vários assuntos, que foram transformados em verbetes.
Diferentemente de um dicionário físico, a plataforma digital wikifavelas.com.br é uma obra incabada, em permanente ampliação e mudança, como foi o caso da inclusão, por demanda dos atores mobilizados nas favelas no combate da pandemia, de inclusão da temática da Covid-19, que atualmente se ampliará para ser um tema sobre saúde nas favelas. Da mesma forma, nascido como Dicionário Carioca de Favelas, passou a se chamar Dicionário de Favelas Marielle Franco, expandindo seu âmbito nacional e internacional. Assim também foram efetuadas alterações em sua identidade visual e nas atividades que, em conjunto com diversos parceiros, ampliaram seu escopo muito além da plataforma.
Marielle Franco é homenageada pelo Dicionário de Favelas por sua luta em defesa dos direitos humanos, em especial das mulheres negras, dos moradores de favelas e da população LGBTI. Ela foi eleita em 2016 com expressiva votação como vereadora da cidade do Rio de Janeiro aos 37 anos e vinha se consolidando como uma liderança política inconteste na defesa de valores democráticos e práticas políticas coletivas, que mobilizaram a juventude.
Nascida e criada na favela da Maré, estudou sociologia e tornou-se mestre em administração pública com dissertação sobre a política de segurança conhecida como UPP – Unidades de Polícia Pacificadora. Entusiasta do Dicionário de Favelas, contribuiu com um verbete sobre esse tema (UPP - A redução da favela a três letras).
Marielle foi executada em 14 de março de 2018 em um bárbaro crime político, ainda não inteiramente elucidado. Buscaram calar sua voz, assim como fizeram com a de tantas outras lideranças populares. Mas, sua trajetória deixou muitas sementes e o Dicionário de Favelas se compromete a difundir os valores pelos quais ela viveu e morreu.
2024 chegou e como marco das comemorações dos cinco anos que o Dicionário de Favelas Marielle Franco completados em abril deste ano, atualizamos a nossa marca e a nossa identidade visual. A proposta é trazer leveza, movimento, acessibilidade e uma nova personalidade para a marca. Pensar este novo projeto visual é, também, entender que as principais ações do Dicionário de Favelas fazem uso das plataformas digitais, no entanto, o uso de cores, imagens, fontes etc, precisam cada vez mais estar adequadas a este público com o objetivo de facilitar e melhorar a visualização e acessibilidade do conteúdo, tornando assim a leitura mais agradável ao nosso público-alvo.
A pipa, também conhecida como “cafifa”, “papagaio”, “quadrado”, “piposa”, “pandorga”, “arraia”, símbolo principal e patrimônio cultural, histórico e imaterial no Rio de Janeiro, continua e agora está trazendo movimento. Como conta Cleonice Dias, pesquisadora do projeto que foi representante da Cidade de Deus no Conselho Editorial: "A pipa lembra o tempo em que as crianças podiam correr tranquilas nas ruas, livres e soltas, colorindo o céu com toda liberdade na favela. (...) Ela lembra a utopia de estar hoje lutando para afirmar a nossa potência, a nossa resistência, a nossa resiliência, toda a nossa garra de ter propostas para a favela, para a cidade, para o país, para a preservação da vida, do mundo, na Terra".
A partir de diferentes demandas, apoios de parceiros, instituições e parlamentares, o Dicionário de Favelas Marielle Franco ampliou suas atividades para incorporar uma seção de cursos, presenciais ou virtuais, para jovens lideranças e profissionais de favelas. Assim, foram implementados o Curso Tamo Junto, para jovens de coletivos que se destacaram no combate à pandemia em seus territórios, e o Curso de Acervos Marielle Franco, voltado para atender à demanda de grupos com atuação na preservação dos acervos em territórios de favelas e periferias. Como desenvolvimento posterior, foi desenvolvido no Icict um Repositório dos Saberes Populares, que, em colaboração com o CEPEDOCA - Centro de Estudos, Pesquisa, Documentação e Memória do Complexo do Alemão, já incorporou seu acervo ao repositório.
Para este ano de 2014 estão programados dois novos cursos, Fé nas Favelas, para membros de grupos religiosos e nova edição do Tamo Junto para territórios em Niterói e São Gonçalo, ambos com o apoio de emendas parlamentares. Nesta linha de atividades pedagógicas, começaram a ser desenvolvidas propostas de elaboração, a partir dos verbetes, de material didático para o ensino médio e/ou superior. Esta frente contará com o apoio de escolas e pré-vestibulares comunitários, como a articulação com o Tecendo Diálogos, da Fiocruz.
Mais recentemente, temos desenvolvido, em colaboração com a equipe de Palloma Menezes do IESP, duas novas linhas de atividade. O projeto Memória Viva, com o apoio da VídeoSaúde Distribuidora e seu canal no Youtube, entrevista lideranças tradicionais que construíram, com suas lutas políticas, a história de seus territórios. Na linha de trabalho sobre Produção de Conhecimentos, está sendo realizado um Mapeamento dos Grupos que produzem conhecimento e memórias em favelas e periferias do Rio de Janeiro, também em parceria com o IESP. Na mesma linha, o estabelecemos parceria com a Casa de Oswaldo Cruz, que coordena o projeto "Geração cidadã de dados: cartografia dos coletivos de comunicação comunitária para promoção da saúde", contemplado no Edital INOVA FioPromoS, que visa mapear os coletivos de comunicação comunitária localizados em bairros da Área de Planejamento 3.1 do município do Rio de Janeiro.
Finalmente, como proposta de Formação Acadêmica, os pesquisadores do Dicionário de Favelas Marielle Franco participam de um Ciclo de Estudos mensal, onde são são discutidos temas transversais às diferentes equipes que o compõem: tecnologia de informação e design, comunicação, produção de verbetes e avaliação do conteúdo da plataforma. Além de criar uma linguagem comum a pessoas com distintas formações, o Ciclo de Estudos estimula a equipe a desenvolver pesquisas e apresentar trabalhos em congressos científicos. Na linha de pesquisas, destaca-se a que realiza a Análise do Discurso dos jovens participantes do programa de TV Comunitária Papo na Laje.
Uma coletânea com mais de uma dezena de artigos publicados em periódicos científicos, no Brasil e no exterior, é também o resultado deste trabalho.
Ao longo do ano, muito conteúdo e ações especiais farão parte das comemorações dos cinco anos do Dicionário de Favelas Marielle Franco. A plataforma é colaborativa e aguarda novas contribuições. Acompanhe pelas redes sociais, boletins, pelo site do Icict e pelo site do Wikifavelas.
Contatos:
Nome: Dicionário de Favelas Marielle Franco
E-mail: wikifavelas@gmail.com
Site: www.wikifavelas.com.br
Menino sambista com coroa - Leo Salo
Marielle Franco - Equipe Marielle Franco
Na montagem:
Fotos de meninos com a pipa - Sônia Fleury
Foto maior (pipa do Brasil) - Bira Carvalho
Favela - Sônia Fleury
Morro Dona Marta, com vista do Cristo Redentor - Sônia Fleury
Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz)
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