Ao persistirem os sintomas, quem deverá ser consultado?

por
Alessandro Pereira
,
25/06/2007

A relação entre medicamentos e mídia, tema de recentes conflitos entre a indústria farmacêutica e órgãos governamentais, foi o assunto tratado no seminário organizado pelo curso de Especialização em Comunicação e Saúde, oferecido pelo Icict. O evento realizado dia 18 de junho, na Maternidade-Escola da UFRJ, em Laranjeiras, recebeu como convidados Marilene Nascimento, orientadora do programa de pós-graduação em ensino em biociências e saúde do Instituto Oswaldo Cruz e Álvaro Nascimento, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca(Ensp/Fiocruz), que apesar do mesmo sobrenome, não possuem parentesco.

A imprensa e os medicamentos

O discurso presente em 437 reportagens relacionadas a medicamentos e publicadas nas décadas de 1980 e 1990, pelos veículos de maior circulação do Brasil, foi analisado por Marilene. A investigação, que resultou em sua tese de doutorado, mostra que os representantes dos laboratórios são os principais atores no discurso midiático, porém 55% das matérias abordavam os riscos do consumo em excesso.

A palestrante usou como exemplo uma reportagem do jornal O Globo (17/06/1999), sobre um estudo divulgado nos Estados Unidos. A pesquisa indicava que o uso em demasia de medicamentos à base do ácido acetilsalicílico causava, somente naquele país, 16.500 mortes por ano, número bem próximo ao das vítimas fatais atingidas pela Aids (16.685), no mesmo período. 

Os riscos das drogas que necessitam de prescrição médica para a venda também foram observados. Os textos jornalísticos sobre antibióticos alertaram, em 82% dos casos, sobre os perigos dos produtos. Mas, de acordo com a pesquisadora, nem sempre a imprensa consegue chamar total atenção da população, “Apesar da faixa vermelha, nós sabemos que a compra é feita sem prescrição médica. Há também o tipo de venda feita após a sugestão do farmacêutico, a famosa empurro-terapia”, lamenta ela.

Ainda, segundo Marilene, uma das falhas da imprensa está na pouca contextualização em relação aos acidentes causados por medicamentos – que aparecem como os principais agentes de intoxicação, em levantamentos realizados pelo Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox). “A culpa, geralmente, é destinada ao indivíduo, seja pela auto-medicação ou pelo erro na prescrição. As políticas de saúde e a indústria farmacêutica são pouco responsabilizadas nas reportagens”, afirma a pesquisadora.

Medicamentos na publicidade

Álvaro Nascimento, que analisou a propaganda de medicamentos para grande público, iniciou sua explanação comparando duas peças publicitárias com uma diferença de 95 anos, entre suas publicações. Na mais antiga, a ilustração mostrava um indivíduo enfrentando um touro, após ter feito uso do produto divulgado e a mais recente promete estimular o apetite, causando uma fome de leão. “O uso do exagero permanece. Isso se caracteriza como propaganda enganosa, de acordo com o Artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor, já que ninguém vai comer igual a um leão”, analisa Álvaro.

Um outro grave problema levantado pelo pesquisador é que as campanhas de divulgação de medicamentos não cumprem as exigências que deveriam. “As análises da Anvisa mostram que em um grupo de dez peças publicitárias, nove apresentam algum tipo de irregularidade e a mais comum é a não apresentação das contra-indicações do medicamento”, afirma ele.

Em relação à discussão que existe em torno da possível necessidade de aprovação prévia do material publicitário sobre medicamentos, os dois grupos, que apresentam opiniões divergentes, utilizam o mesmo documento para defender as suas posições. A indústria farmacêutica e o mercado publicitário usam o Artigo 220 da Constituição Federal, que garante a liberdade de expressão e informação sob qualquer forma. Para eles, qualquer intervenção pode ser considerada censura, algo incompatível com sistemas democráticos. Já o palestrante defende que no mesmo artigo está explícito que a lei federal deve defender a população de programas midiáticos e propagandas que atentem contra a saúde. “Não há nada de ditatorial nisso, a própria União Européia sugere aos países membros para agir antes das irregularidades irem ao ar”, defende Álvaro.

Hoje, a regulação da propaganda é feita após a veiculação das campanhas publicitárias, pela Anvisa. Porém, a retirada do ar, no caso de irregularidades, demora de um a dois meses e as multas são irrisórias, alerta o pesquisador. “O que acontece hoje, não pode ser considerado regulação. ‘Ao persistirem os sintomas o médico deverá ser consultado’, deseduca. Isso é apologia a auto-medicação. Quem deve prescrever é o médico, não a publicidade”, esclarece.

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