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Brasileiros consomem, em média, 9,34 gramas de sal por dia — quase o dobro do recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que é de 5 gramas. Esta é uma das principais conclusões de um levantamento inédito no país: a análise de sangue e de urina de cerca de 9 mil brasileiros, de diferentes faixas etárias, realizada pela Pesquisa Nacional de Saúde (PNS). É a primeira vez que um estudo com abrangência nacional estima o consumo de sal na população brasileira por meio de análise de urina. Os dados apontam que praticamente três quartos dos brasileiros têm consumo alto de sal (mais de 8 gramas por dia), sendo maior em homens e nos mais jovens. A pesquisa indica consumo elevado de forma generalizada na população brasileira, em todas as faixas etárias e níveis de escolaridade. E, por isso, lança um alerta: programas de redução de consumo devem ser desenvolvidos para atingir todas essas subcategorias, e não somente grupos específicos, como portadores de hipertensão ou doenças renais.
Dados da PNS também constataram que a percepção sobre o consumo elevado de sal é baixa entre os brasileiros: apenas 14,2% dos adultos se referiram a seu consumo como alto. O excesso de sal na alimentação está associado à hipertensão (doença que está presente em 28% dos adultos brasileiros) e às doenças cardiovasculares, destaca a pesquisadora Célia Landmann Szwarcwald, coordenadora da PNS 2013 e integrante do Laboratório de Informação e Saúde (LIS), do Instituto de Comunicação e Informação em Saúde (Icict), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
“A redução no consumo de sal é considerada, hoje, um dos caminhos mais eficazes e mais baratos para diminuir o número de mortes por doenças crônicas não transmissíveis, sobretudo por tornar possível a diminuição da pressão arterial média da população. A hipertensão arterial é causa direta e indireta de várias doenças crônicas, como as cardiovasculares e a renal. A redução do sal na alimentação tem potencial para diminuir uma grande fração de mortes prematuras e aumentar, consideravelmente, a expectativa de vida saudável na população brasileira”, resume a pesquisadora.
Apenas 2,39% da amostra da pesquisa apresentaram consumo inferior a 5 gramas por dia, que é a faixa de recomendação da OMS. O consumo nesta faixa foi maior em mulheres e nos indivíduos de maior idade. O consumo muito elevado (mais de 12 gramas por dia) foi mais frequente em homens (15,7%) do que em mulheres (10,8%). No grupo com escolaridade mais alta, foi encontrada proporção menor de indivíduos com consumo superior a 12 gramas por dia (11,35%).
A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), o mais amplo inquérito em saúde no Brasil, foi realizada nos anos de 2013 e 2014, e conduzida pelo Ministério da Saúde em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Contou ainda com a colaboração de várias instituições de ensino e pesquisa. O Instituto de Comunicação e Informação em Saúde (Icict), da Fiocruz, foi responsável pela coordenação técnica. A PNS visitou 69.954 domicílios e entrevistou 60.202 adultos. Uma subamostra foi definida para a realização de exames laboratoriais: foram coletadas amostras de sangue e de urina de 8.952 pessoas.
Pela primeira vez, um inquérito com representatividade nacional coletou nos domicílios amostras biológicas para realização de exames complementares, permitindo traçar o perfil bioquímico de condições clínicas e pré-clínicas da população brasileira. Além de achados como o do alto consumo de sal, a pesquisa torna possível que se estabeleçam parâmetros nacionais para valores de referência laboratoriais. Um importante avanço para o conhecimento de características e condições de saúde da população brasileira, o que pode aprimorar a vigilância e o acompanhamento das doenças crônicas não transmissíveis no país.
“Hoje, se você faz um exame de sangue num laboratório, o resultado vem acompanhado de uma série de parâmetros que são internacionais, ou seja, não representam o que seriam valores de referência adequados à nossa realidade. A composição de amostras de sangue e de urina de um europeu ou de um americano é diferente da nossa”, explica Szwarcwald. “Os valores de referência podem ser influenciados por fatores populacionais e ecológicos, como idade, sexo, raça, nível socioeconômico, exposição a agentes químicos, físicos e biológicos. Por isso, devem ser diferentes entre as populações. O Brasil é marcado pela miscigenação, com uma grande diversidade de raças, etnias, povos, segmentos sociais e econômicos. A análise com os resultados dos exames de sangue e urina da PNS oferece, pela primeira vez, uma amostra representativa do país. E o conhecimento dos parâmetros hematológicos de referência é fundamental para a avaliação do estado de saúde e do padrão de adoecimento da população.”
Além disso, o trabalho da pesquisa possibilitou a criação de uma soroteca, coordenada pelo Ministério da Saúde, reunindo as amostras biológicas, que serão preciosas para pesquisas. “Tendo em vista os eventos esportivos que ocorreram na época de coleta de material biológico, hipóteses sobre a circulação de vírus oriundos de outros países poderão ser investigadas com esses dados”, exemplifica a pesquisadora.
Os resultados dos exames laboratoriais da PNS foram esmiuçados no suplemento temático da Revista Brasileira de Epidemiologia, lançada em 26 de novembro, na Fiocruz. “Os estudos divulgados no suplemento abordam de forma pioneira o cálculo dos valores de referência, e vão contribuir para uma discussão mais ampla sobre o uso de marcadores bioquímicos nacionais para o monitoramento de importantes questões de saúde”, diz Szwarcwald.
Célia Landmann, coordenadora técnica da PNS 2013 (Foto: Rodrigo Méxas - Icict/Fiocruz)
Os resultados do estudo sobre o diabetes na população adulta brasileira são inéditos. Pela primeira vez, uma pesquisa nacional obtém resultados laboratoriais de hemoglobina glicada e resultados referidos de diagnóstico de diabetes. De acordo apenas com os resultados laboratoriais, o diabetes foi identificado em 6,6% dos adultos, enquanto em 76,5% não foi encontrada qualquer alteração. Mas, considerando-se critérios simultâneos — incluindo as pessoas que referiram ter diagnóstico de diabetes e/ou fazem uso de medicamentos — a prevalência do diabetes é de 8,4%, porque esta proporção inclui as pessoas que estão com a doença controlada. Há alta prevalência do diabetes na população obesa, alcançando nível de 17%.
A PNS também foi o primeiro estudo nacional a apresentar avaliação de função renal por meio de critérios laboratoriais, para a população adulta brasileira. Para isso, fez a dosagem de creatinina sérica e estimou a taxa de filtração glomerular (TFG), segundo variáveis sócio demográficas. Os dois são os índices usados para detectar doenças renais. O resultado é surpreendente: as estimativas foram até quatro vezes maiores se comparadas com outras pesquisas feitas no país. Isso porque esses estudos anteriores são em geral “autorreferidos”, ou seja, baseados nos relatos dos próprios doentes. Logo, os resultados dos exames laboratoriais sugerem que há um sub diagnóstico da doença renal no país.
“Um marcador biológico importante para detecção e tratamento da doença renal crônica é a taxa de filtração glomerular, a TGF. Foi observada TGF abaixo do limite crítico inferior em um quinto dos idosos, com maior prevalência de doença renal crônica na população brasileira do que a obtida em estudos de morbidade autorreferida. De modo que os exames laboratoriais se mostram de muita relevância para identificar precocemente a doença e prevenir a progressão da lesão renal e a mortalidade prematura”, destaca Szwarcwald.
O suplemento contém ainda outras análises inéditas da PNS, que lançam luz ao quanto as desigualdades incidem na saúde da população.
Grandes desigualdades foram encontradas, por exemplo, na saúde bucal dos brasileiros. A perda de dentes (o termo técnico é “edentulismo”) na população com mais de 60 anos afeta mais do que o dobro as pessoas com renda per capita inferior a meio salário mínimo, em comparação às pessoas da mesma faixa etária que têm renda superior a três salários mínimos — a prevalência da doença varia de 44%, no primeiro grupo, para 20%, no segundo.
A análise no perfil de alimentação dos brasileiros mostrou, por sua vez, resultados contraditórios. Quanto aos alimentos saudáveis, verificou-se melhor perfil alimentar entre brancos, pessoas com maior renda e maior grau de escolaridade, com consumo mais frequente de frutas, legumes e vegetais. Mas, paradoxalmente, os segmentos de melhor condição social foram os que apresentaram maiores prevalências quanto ao consumo de alimentos doces e substituição de refeições por sanduíches, salgados ou pizzas.
Nisia Trindade Lima, presidente da Fiocruz, participou do lançamento do estudo
Análises sobre mulheres em idade reprodutiva beneficiárias do programa Bolsa Família também foram realizadas. Houve grande disparidade na proporção de mulheres que avaliam a própria saúde como boa ou muito boa: variou de 61,6%, entre as beneficiárias, e 75,3% entre as não beneficiárias. Apesar disso, a maioria dos marcadores biológicos não mostrou diferenças significativas. “Esses resultados refletem a importância da concessão do benefício às mulheres de pior condição social, pelo seu papel em atenuar as desigualdades em saúde”, ressalta Szwarcwald.
A prevalência de anemia entre adultos e idosos foi de 9,9%. Não é um número que pareça alarmante, se comparado à prevalência mundial: estima-se que 27% das populações tenham anemia. Ocorre, porém, que o estudo não usou amostras de crianças, segmento que manifesta grande risco de apresentar o problema. Os resultados dos exames, por outro lado, chamam atenção para o quanto a prevalência da anemia, em nosso país, está relacionada às iniquidades: os maiores índices e os casos mais graves ocorrem entre mulheres, idosos, pessoas de baixa escolaridade e negros.
“Em relação à população idosa, as maiores prevalências de anemia nas camadas de menor nível socioeconômico são dignas de nota, indicando a necessidade de intensificar ações para prevenir e tratar a anemia entre os idosos desfavorecidos socialmente”, prossegue a pesquisadora.
Os idosos pertencentes aos segmentos da população com maior nível de escolaridade e renda mostraram maior participação em todas as atividades consideradas no estudo, como a participação em atividades sociais e cívicas, a prática de esportes e o trabalho remunerado ou voluntário. “Vivemos um processo intenso de transição demográfica no Brasil, com o rápido crescimento da expectativa de vida. As desigualdades comprovadas pela PNS representam um grande desafio, e um alerta para que as políticas públicas criem estratégias para que os brasileiros tenham oportunidades iguais de desfrutar de uma velhice saudável e ativa”, conclui Celia Szwarcwald.
A coleta de material biológico (sangue e urina) nos domicílios em uma subamostra de participantes da PNS contou com a parceria do Hospital Sírio Libanês, e foi realizada em todo o país por meio do financiamento do Programa de Desenvolvimento para o Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS), em 2014 e 2015. Os exames laboratoriais realizados com as amostras de sangue foram: hemoglobina glicada; colesterol total e frações; sorologia para dengue; hemograma série vermelha (eritograma) e série branca (leucograma); cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC) para diagnóstico de hemoglobinopatias; creatinina. E, com as amostras casuais de urina, estimativas de excreção de potássio, sódio e creatinina.
A PNS foi aprovada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) do Conselho Nacional de Saúde (CNS), vinculado ao Ministério da Saúde. A participação do adulto na pesquisa foi voluntária e a confidencialidade das informações foi garantida. Os participantes da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e autorizaram a coleta de exames laboratoriais.
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