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Na quinta-feira, 5 de novembro de 2015, às 16h20, o distrito de Bento Rodrigues, da cidade de Mariana, em Minas Gerais, foi atingido pelo rompimento da barragem de rejeitos de minério de ferro – a de Fundão. Os rejeitos chegaram ao Rio Doce e desaguaram no oceano Atlântico, conforme o monitoramento realizado por pesquisadores inclusive da Marinha, levando a contaminação de rios e matas ciliares que passavam por diversas cidades em Minas Gerais e no Espírito Santo. Ao todo, vazaram 43,7 milhões de metros cúbicos dos 56,6 milhões de metros cúbicos que existiam na barragem.
Oficialmente, 19 pessoas morreram e 1.500 ficaram desabrigadas em Mariana. Onze toneladas de peixes mortos – oito em Minas Gerais e três no Espírito Santo. O reassentamento dos moradores de Bento Rodrigues ainda não ocorreu e, até hoje, os impactos ambientais são sentidos pelas cidades por onde a lama de rejeitos – metais pesados como arsênio, chumbo e mercúrio - passou.
Na sexta-feira, 25 de janeiro de 2019, às 12h28, no início da tarde, a cidade de Brumadinho, em Minas Gerais, foi atingida pelo rompimento da barragem de rejeitos de minério de ferro – a de número 1, da Mina Córrego do Feijão. Os rejeitos chegaram ao rio Paraopeba, segundo pesquisadores do Serviço Geológico do Brasil (CPRM) e da Agência Nacional de Águas (ANA), e avançam rumo ao Rio São Francisco, conforme boletim emitido na segunda-feira, dia 28 de janeiro, chegando, entre os dias 5 e 10 de fevereiro, à usina Retiro Baixo e, entre os dias 15 e 20 de fevererio, alcançará o reservatório da hidrelétrica de Três Marias, no rio São Francisco. Segundo pesquisadores há o risco da contaminação de afluentes e matas ciliares atingirem possivelmente 19 cidades. Ao todo, vazaram aproximadamente 12,7 milhões de metros cúbicos de lama de rejeito de minério de ferro.
Oficialmente (até o dia 31/01/2019), 99 pessoas morreram e 259 encontram-se desaparecidas e 135 pessoas estão desabrigadas. O desastre-crime ambiental de Brumadinho já é considerado o maior do mundo.
Em junho de 2018, um grupo de alunos do Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde – PPGICS, do Icict, coordenado pela pesquisadora Cristina Guimarães, do Laboratório de Informação Científica e Tecnológica em Saúde – Licts/Icict, foi até a cidade de Mariana (em Minas Gerais) entender e observar – na prática – como se daria o “diálogo efetivo entre o meio acadêmico e à sociedade civil, a cerca dos impactos do rompimento (da barragem em Mariana), dos desafios que eles impõem à saúde coletiva e suas possíveis soluções, tornando necessário integrar diferentes saberes, sistematizados em trabalhos científicos ou produzidos pela população local”.
Em agosto do mesmo ano, o grupo de doutorandos, durante a 2ª Jornada do PPGICS, apresentou o seminário “O que aprendemos com Mariana? Impactos e potências sob uma perspectiva interdisciplinar”. O evento, organizado por Nadja Araújo, Keila Carnavalli, Leticia Barbosa, Nathalia Silva, Patrícia Barcelos, Raphael Saldanha, Teresa Neves e Vinicius Klein, mostrou por meio de uma exposição de fotos e uma palestra, além de um filme, que é possível ‘promover um encontro entre a ciência e a sociedade, envolvendo pesquisadores de diferentes campos disciplinares e representantes da sociedade civil local, sobre o rompimento da barragem de Fundão/Mariana, com foco nas consequências e mobilizações em torno do ocorrido, sobretudo no que tange às práticas de informação, comunicação e saúde.’ Para isso, os alunos convidaram pessoas com ‘perspectivas analíticas diferentes’, como Lucimar Aparecida Muniz dos Santos, representanda da Sociedade Civil de Bento Rodrigues, que trouxe a sua vivência e experiência sobre o ‘conhecimento construído pela população para lidar com as consequências do desastre’; Pedro Jacobi, pesquisador do Instituto de Energia e Ambiente (IEE), da USP, que falou sobre engajamento e governança ambiental democrática, e Christovam Barcellos, vice-diretor de Pesquisa, Ensino e Desenvolvimento Tecnológico e coordenador do Observatório Nacional de Clima e Saúde, ambos do Icict. À mesa, também, a representante do grupo de doutorandos do PPGICS, Nadja Araújo.
O site do Icict conversou com Patrícia Barcelos, uma das alunas que participou da experiência, para falar sobre como o grupo vê hoje o que ocorreu em Brumadinho e da experiência que ela e seus colegas tiveram em Mariana.
O que motivou vocês a formarem um grupo e irem até Mariana, seis meses depois da tragédia?
Na verdade estivemos em Mariana em Junho de 2018, quase três anos depois do rompimento da barragem de Fundão. Nós fizemos uma disciplina no curso de doutorado do PPGICS chamada Seminários Avançados de Pesquisa, onde precisávamos escolher um objeto em que pudéssemos lançar um olhar interdisciplinar que envolvesse as dimensões da comunicação e da informação em saúde. Escolhemos falar das consequências do rompimento da barragem em Mariana, já que implicou em uma série de debates na sociedade e danos em diferentes níveis para a população local e meio ambiente. Fizemos contato com um jornal formado por atingidos, jornalistas e estudantes da UFMG, chamado A Sirene; com representantes do grupo Loucos por Bento e lá fomos nós conhecer de perto suas histórias. Queríamos construir junto com eles um conhecimento que pudesse sair dos muros da academia.
Sob a ótica da Comunicação e Informação em Saúde, o que vocês observaram?
Desde os primeiros contatos com os moradores de Mariana, ficou claro para nós que a disputa para construir sentidos sobre o ocorrido e a importância das palavras era muito grande. Cada pessoa ou grupo em Mariana tem seu modo de nomear: crime, tragédia, desastre, tragédia crime, evento, acidente, impactados, atingidos. Defendem e se agrupam em torno de cada uma destas palavras. Os ex-moradores de Bento Rodrigues se sentiam muitas vezes hostilizados pelos moradores do centro de Mariana por lutarem por seus direitos, sendo vistos como “encostados”, como se o aluguel que recebem da mineradora Samarco fosse um “benefício”. As crianças de Bento foram chamadas de “pés de lama”.
As pessoas e as diversas comunidades foram atingidas de diferentes modos e lidam com as adversidades também de diferentes modos. As dores devido a perdas das referências de vida, para alguns foram transformadoras, trouxeram renovação. Alguns atingidos sentem necessidade de voltar constantemente ao local do rompimento, buscam ter acesso à informação sobre a atividade da mineração no Brasil e no mundo, sobre legislação para exploração do solo, seus efeitos e consequências. Estes participam diretamente das lutas pelas causas coletivas, pela penalização da empresa e indenizações que ainda se arrastam na justiça. Outras pessoas preferiram seguir em frente sem olhar para trás, não querem voltar aos locais onde viviam, querem refazer a vida com a agricultura familiar, por exemplo, tentar esquecer.
E em relação à empresa Samarco?
Observamos também o quanto o consórcio responsável pela exploração da mineração na região buscava evitar o nome Samarco, criando a Fundação Renova para lidar com os atingidos. Participamos de um circo com banda e palhaços que levaram para a praça principal da cidade.
Conversamos com pesquisadores da área de Saúde do Trabalhador, que falaram do rompimento como um “acidente de trabalho ampliado”. Enfim, observamos, conversamos, tiramos fotos, filmamos. Este trabalho teve vários frutos. Realizamos um seminário com a participação do professor Pedro Jacobi, da USP, da Lucimar Aparecida Muniz dos Santos, representante dos atingidos. Durante a 2ª Jornada do PPGICS, fizemos uma exposição com fotos e objetos. Queríamos fazer as pessoas refletirem sobre o que já foi estudado sobre o impacto das atividades humanas no meio ambiente, sobre governança ambiental, sustentabilidade e também dar visibilidade a outras versões sobre Mariana além das divulgadas pela imprensa. Estamos preparando um documentário em parceria com a VídeoSaúde, esperamos que sirva para isso também. Mas agora veio Brumadinho e trouxe visibilidade ao tema da pior forma possível.
Daquela experiência, qual o olhar que vocês têm para o que ocorreu em Brumadinho?
Poderia ter sido evitado. Novamente as pessoas disseram que nem a sirene, que é uma forma de comunicação de risco iminente, tocou para alertar os trabalhadores. Só funcionou no segundo dia. Há uma falta de ações efetivas para a regulação da realização da atividade de mineração, que incluiria desde de segurança dos trabalhadores até que se impeça o aumento desenfreado da produção que causa danos socioambientais, além do aumento do risco de acidentes. Mas o que vemos no Brasil é o desmantelamento dos sistemas de regulação ambiental, tornando mais fácil conseguir licenças, além da falta de fiscalização efetiva. Muitas denúncias são feitas sobre os lobbys, o envolvimento de secretários, deputados e dos próprios pesquisadores que recebem recursos das empresas mineradoras. Mas parece que é uma luta de formiguinhas contra um elefante que pisa o tempo todo, como nos disse a Mônica, do grupo ‘Loucos por Bento’.
Qual seria hoje as potências e impactos para Brumadinho?
A mídia está divulgando que a Vale vai “doar” R$100 mil para a família de cada vítima de Brumadinho. Novamente vemos, por parte da empresa, um discurso que busca escapar da esfera do direito dos atingidos e da responsabilização pelos danos ambientais. Embora o nome do nosso seminário tenha sido “O que aprendemos com Mariana?”, a fala da Lucimar no evento tinha o título “Até quando não aprenderemos com Mariana.” Lucimar denunciou naquele dia que a barragem Casa de Pedras em Congonhas apresenta fissuras e infiltrações como a de Fundão, e que estudos otimistas calculam que mil e quinhentas pessoas podem morrer se esta barragem romper. As pessoas de lá solicitam reassentamento, mas tudo é muito moroso. Será que agora vai acelerar? Congonhas fica a cerca de 90 quilometros da barragem que rompeu em Brumadinho. Reassentar o povo de lá seria uma potência.
O que vocês aprenderam em Mariana e que pode ser aplicado a Brumadinho?
As pessoas não conseguem associar realmente à necessidade desenfreada de ganho econômico aos riscos socioambientais, riscos para saúde, riscos de perdermos vidas humanas. A intensa cobertura da mídia, quando acontecem esses eventos catastróficos, muitas vezes favorece o sensacionalismo e a cultura do envio de donativos. Isso aconteceu em Mariana, está acontecendo novamente em Brumadinho e só despolitiza a questão. Precisamos fazer chegar a um maior número de pessoas as tentativas de compreensão dos danos, sobre perdas sofridas pelas pessoas atingidas direta e indiretamente por essas atividades, seus estragos cotidianos e suas tragédias anunciadas e promover reflexão. Daí, quem sabe, possamos apoiar um desenvolvimento com preservação ambiental e social.
Assista aqui, na íntegra, o seminário "O que aprendemos com Mariana?":
Foto Bento Rodrigues - Frame do vídeo dos alunos do PPGICS (2018)
Foto Brumadinho - Agência Brasil/Reuters
Vídeo Seminário "O que aprendemos com Mariana?" - Gravação e edição: VideoSaúde Distribuidora
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