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Consequências a curto, médio e longo prazos do desastre da companhia Vale, em Brumadinho, são o principal foco da entrevista coletiva concedida pelo pesquisador Christovam Barcellos no dia 5 de fevereiro, durante evento sobre o tema organizado pela Ensp, Icict e Presidência da Fiocruz com o apoio do IOC e realizado no Campus Manguinhos. Barcellos, que é vice-diretor de Pesquisa, Ensino e Desenvolvimento Tecnológico e coordenador do Observatório Nacional de Clima e Saúde (ambos do Icict), também aborda os desastres: da Samarco, em Mariana; de Santa Catarina, em 2008; e de Fukujima, no Japão, depois do tsunami.
"Ainda vão ter muitos problemas, porque o ambiente ficou completamente perturbado: a água dos rios, do córrego, mas também do rio Paraopeba. Vai haver provavelmente uma perda de biodiversidade e talvez o aparecimento ou o ressurgimento de alguns vetores importantes de doenças, ratos, mosquitos... E aquela região é uma área de transmissão de esquistossomose e uma área importante de transmissão de febre amarela. Pode haver surtos dessas doenças, além de doenças que são comuns em populações que são desalojadas, dentro de alojamentos provisórios, como surtos de diarreia, de conjuntivite... Temos que estar atentos a esses outros problemas de saúde que não são só – com todo respeito com todos os esforços que estão sendo feitos pela Defesa Civil e pelo SUS da região –, mas a gente tem que pensar numa área e numa população muito maior do que aquela que foi soterrada pela lama.
Envolve a população da cidade de Brumadinho e também existem algumas comunidades potencialmente isoladas que perderam o acesso ao serviço de saúde, aos hospitais, e algumas notícias dizem que estão sem água, medicamento e comida. O SUS, principalmente, tem que cuidar muito bem dessas pessoas que podem ser atingidas – calculamos em torno de três mil pessoas, que foram indiretamente atingidas pelo desastre."
"É comum, em situações de desastre, todos os esforços de saúde se concentrarem em cima dos feridos e das pessoas que imediatamente sofreram o impacto, então, pode estar havendo uma desatenção a algumas pessoas que têm doenças crônicas, como tuberculose, insuficiência renal, hipertensão... O desastre de Santa Catarina, em 2008, e o desastre de Fukujima, no Japão, depois do tsunami, mostraram um surto de AVC, de derrames cerebrais, meses depois do desastre. Então, é preciso manter a atenção com os doentes crônicos."
"Algumas doenças transmissíveis como diarreia, leptospirose e febre amarela podem surgir nos próximos meses. E pensando que estamos no verão, que ao mesmo tempo é quente e chuvoso, isso é propício para apropriação de alguns vetores. Outros problemas de saúde, como problemas cardiovasculares e hipertensão podem acontecer nos próximos anos. Inclusive lembrando que a água dos rios está contaminada, que se formou um enorme depósito de rejeitos, potencialmente tóxicos, e a qualquer chuva esses rejeitos podem ser jogados novamente no leito do rio. Cerca de vinte municípios podem ser atingidos por essa água suja."
"É preciso redobrar a atenção com a população, estender o que a gente chama de população afetada, que não é formada só com as pessoas que estão na área imediata soterrada pela lama. É preciso ter atenção a uma população muito maior. Existe, por exemplo, uma aldeia indígena ao longo do rio Paraopeba que está a 20, 30 quilômetros de distância do local do acidente e está totalmente desassistida. Temos que tomar cuidado com essas pessoas e com o que vem por aí. Além disso, daqui pra frente, a água passa a ser um elemento crítico. Vai ter que se manter um programa muito bem executado de vigilância da qualidade da água, principalmente, para metais pesados, que não é uma rotina da vigilância da qualidade da água. Mas a gente tem que manter, nos próximos anos, a suspeita de que a água pode estar contaminada por metais pesados."
"É uma preocupação. A cada chuva, o rejeito vai ser mobilizado e jogado nas águas do rio Paraopeba; possivelmente chega a Três Marias, a represa, e algumas pessoas que trabalham com modelagem devem saber se essa lama, por ser muito leve, vai ultrapassar a represa de Três Marias, chegando ao São Francisco."
"Sistema de emergência de saneamento, distribuição de água de qualidade para as pessoas que ficaram sem água, distribuição de alimentos e cuidados específicos para essa população estendida."
"É bom lembrar que atrás desses problemas cardiovasculares, que a gente consegue acompanhar, existe um trauma muito grande das pessoas que perderam suas casas, seus familiares, a sua economia. Muita gente da agricultura familiar e que criava gado perdeu tudo. Isso gera um trauma muito forte e as doenças mentais são muito comuns depois de acidentes."
Não é suficiente. A colocação de barreiras no rio é uma medida paliativa, que não vai reter os metais pesados e os elementos tóxicos da água.
Por enquanto nós calculamos que todo o rio Paraopeba está sob risco e a água desse rio não pode ser consumida. A grande questão agora é se essa água contaminada alcança também o rio São Francisco. E vai ser um perigo, porque várias cidades da Bahia, Alagoas, Sergipe e Pernambuco usam a água do rio São Francisco. (...) Existe uma área visivelmente impactada, que é essa que foi soterrada pelos rejeitos, que tem alguns quilômetros de extensão e a preocupação está ali nesse momento. Mas existe uma população em torno de 3.000 pessoas que foram indiretamente impactadas que moram na cidade de Brumadinho, na serra onde existia a mina, ao longo do rio Paraopeba. Toda essa população estamos chamando de população afetada. Então, temos que tomar muito cuidado em toda a bacia hidrográfica ou vale do rio Paraopeba.
Sistema de emergência de abastecimento de água, não consumir alimentos e a água do rio Paraopeba, evitar que as pessoas se exponham e, além disso, uma vigilância sobre a qualidade da água e as pessoas que podem estar tendo contato com essa lama potencialmente tóxica. Essas pessoas têm que ser muito bem acompanhadas.
Não existe maneira de barrar. A represa de Três Marias, por ser grande, e a velocidade da água, baixa, talvez retenha um pouco dessa lama. Mas se isso é verdade, a própria represa de Três Marias vai ser um problema daqui por diante. Ela vai ser estar com o fundo carregado de metais pesados.
A gente pode ter surtos de febre amarela, de leptospirose, e de esquistossomose, já que é uma região de transmissão dessa doença. Podemos ter o agravamento de doenças crônicas e o surgimento de outras doenças na região.
Nós estamos num período de transmissão de febre amarela, zika, chikungunya e dengue, e toda essa perturbação ecológica, não nó no rio mas também na casa das pessoas, pode propiciar um surto de doenças transmitidas por vetores.
Houve um grande surto de febre amarela em toda a região do Rio Doce logo depois do acidente de Mariana.
Fotos do evento: Peter Illiciev (CCS/Fiocruz)
Fotos na sala: Paula Monteiro - Gise/Lis/Icict/Fiocruz | Montagem: Graça Portela - Ascom/Icict/Fiocruz
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