Envelhecimento Saudável: o Brasil está preparado?

por
Graça Portela
,
03/02/2025

Idoso almoçando em um restaurante popular | Autor: Salvador Scofano (Fiocruz Imagens)

Nos últimos quatro anos, três grandes marcos sobre o envelhecimento saudável no Brasil e no mundo surgiram: 

• em dezembro de 2020, uma declaração da Assembleia Geral das Nações Unidas lançou a Década do Envelhecimento Saudável – 2021 a 2030;

• em novembro de 2024, durante a realização do G20 Social, uma iniciativa inédita na história do encontro de líderes mundiais das maiores economias do mundo, realizado na cidade do Rio de Janeiro, debateu a “Transição demográfica: desafios para um envelhecimento ativo e saudável”;

• em dezembro de 2024, o governo brasileiro instituiu a Política Nacional de Cuidados, que tem por objetivo reorganizar a distribuição das tarefas de cuidado no Brasil, promovendo a inclusão social e garantindo direitos de quem cuida e de quem recebe cuidados. A nova legislação estabelece a responsabilidade compartilhada entre o Estado, as famílias, o setor privado e a sociedade civil, visando equilibrar as responsabilidades e combater as desigualdades.

A pesquisadora do Icict e coordenadora do Grupo de Informação em Saúde e Envelhecimento (Gise), Dalia Romero fala sobre esses marcos e aponta as dificuldades que ainda precisam ser superadas para que tenhamos – de fato – um envelhecimento saudável no Brasil.

Década do Envelhecimento Saudável

Em dezembro de 2020, o Brasil apoiou a declaração da Assembleia Geral das Nações Unidas, que anunciou a Década do Envelhecimento Saudável – 2021 a 2030. Já estamos em 2025 e os passos “foram tímidos”, segundo Dalia Romero. A pesquisadora afirma que o “Brasil não está bem preparado para o envelhecimento, ou seja, o direito ao envelhecimento. E o tema ainda não ganhou a devida importância na sociedade brasileira”. 

Ela dá como exemplo a questão da violência contra a pessoa idosa: “se um idoso sofre violência da família, não existem dispositivos sociais para protegê-lo, como é o caso da mulher, com casas de acolhimento para evitar a violência e distanciá-la do agressor, por exemplo”.

Segundo a pesquisadora, “falta muito para incorporar a pessoa idosa dentre outras prioridades no combate à fome, à pobreza, à mudança climática e em outros temas sociais”. 

Seminário no G20 Social

Em novembro de 2024, a cidade do Rio de Janeiro sediou o G20 Social, uma iniciativa do Brasil, inédita na história do encontro de líderes mundiais das maiores economias do mundo, o chamado G20. O evento trouxe três eixos de temáticos: combate à fome, pobreza e desigualdade; sustentabilidade, mudanças climáticas e transição justa; e reforma da governança global. 

“Podemos observar que nos três temas do G20 Social, em nenhum deles o tema do envelhecimento tinha sido incorporado como deveria ser”, expõe Romero. Ela cita a questão premente das mudanças climáticas como um exemplo: “os planos brasileiros de combate à crise climática, em geral, não reconhecem e nem colocam a prioridade da pessoa idosa, mesmo o Brasil sendo signatário do Acordo de Paris, que colocam o idoso, assim como as crianças, como prioritários em alguma emergência climática”, afirma.

Dalia Romero (ao microfone) durante o seminário "Transição demográfica: desafios para um envelhecimento ativo e saudável" | Foto: Arquivo Pessoal

A pesquisadora esteve presente como uma das representantes da Fiocruz, e participou do seminário “Transição demográfica: desafios para um envelhecimento ativo e saudável”, que contou com a presença dentre outros da ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), Macaé Evaristo; do secretário nacional dos Direitos das Pessoas Idosas (MDHC), Alexandre Silva; da Consultora para Envelhecimento Saudável da Organização Panamericana de Saúde (OPAS), Maria Cristina Hoffman; da representante do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa e da Associação Nacional do Ministério Público de Defesa dos Direitos dos Idosos e Pessoas com Deficiência (AMPID), Cristiane Branquinho Lucas. O evento também teve a participação de parlamentares e representantes de órgãos públicos e da sociedade civil organizada.

Política Nacional de Cuidados

Próximo do encerramento do ano (23/12/2024), o presidente da República assinou a lei 15.069, que institui a Política Nacional de Cuidados, destinada a garantir “o direito ao cuidado, por meio da promoção da corresponsabilização social e entre homens e mulheres pela provisão de cuidados, consideradas as múltiplas desigualdades.” Em seu artigo segundo, a lei sancionada estabelece: “A Política Nacional de Cuidados é dever do Estado, compreendidos a União, os Estados, o Distrito Federal e os Munícipios, no âmbito de suas competências e atribuições, em corresponsabilidade com as famílias, o setor privado e a sociedade civil.”

A lei fala sobre a pessoa que é cuidada e seu cuidador, e dentre os públicos prioritários são citadas: “pessoas idosas que necessitem de assistência, de apoio ou de auxílio para executar as atividades básicas e instrumentais da vida diária”. Segundo Dalia Romero, “a Política não fala sobre o cuidado na saúde, no hospital, ela fala sobre cuidado dentro de casa”. Mas, a pesquisadora enfatiza que com a lei, “estamos dando um grande passo para melhorar a questão do envelhecimento.”

Perspectivas e esperança

Para Dalia Romero, mesmo com as dificuldades, “estamos conseguindo incorporar o tema de envelhecimento nos eixos de desenvolvimento social”, pondera. 

Segundo a pesquisadora, “o reconhecimento da importância das pessoas idosas dentro do combate à fome no Brasil ainda é tímido. Mas, temos evidências que têm um impacto grande” ela diz. De fato, pelos estudos desenvolvidos por Dalia Romero e sua equipe no Gise, o Benefício de Prestação Continuada (BPC), nas famílias de baixa renda, com pessoas idosas, ajudou bastante essa parte da população. Romero aponta que durante a pandemia de covid, houve uma preocupação em relação a morte dos idosos: “70% das vítimas eram pessoas idosas; assim, as famílias que dependiam daquela ajuda, que vinha através de algum parente idoso, tiveram sua situação social piorada”, explica.

No último número da Revista Eletrônica do Icict – Reciis, Dalia Romero e as pesquisadoras do Gise, Aline Marques e Nathalia Andrade, escreveram um artigo - Idadismo   nos   meios   de   comunicação   no   contexto   da   pandemia   de   covid-19: revisão integrativa – onde analisaram 28 artigos publicados na grande mídia e fica evidente o aumento na representação negativa da população idosa na mídia, reforçando estereótipos de fragilidade e dependência.

Dalia Romero defende que em temas como saúde digital e complexo industrial da saúde, o debate sobre a pessoa idosa seja também incorporado. “Não se pode fazer política, por exemplo, de população negra ou indígena sem escutar a população negra, sem escutar a população indígena. Portanto, não se pode política para pessoas idosas, sem escutá-las”, pondera. 

“Fala-se de saúde digital, mas não podemos discutir o impacto do envelhecimento, sem levar em consideração a pessoa idosa; até porque sabemos muito bem que a distância digital é uma realidade entre os principais necessitados de suporte à saúde”, afirma. 

Para Dalia Romero, “a pessoa idosa daqui a 30 anos não será a mesma pessoa idosa de hoje. Então, pensar que nós estamos dando passos para o envelhecimento saudável, é pensar também que temos que fazer grandes mudanças em nosso estado de bem-estar, apoiar as políticas públicas que tratam da saúde como investimento, apoiar também as políticas laborais, que a gente tem que aumentar o mercado de trabalho formal para que os jovens tenham perspectivas de aposentadoria”, finaliza.
 

Rio de Janeiro terá a 1ª Vara Especializada em Pessoas Idosas

Ao fecharmos a matéria, a Agência Brasil publicou a iniciativa do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que anunciou o lançamento da 1ª Vara Especializada em Pessoas Idosas.  

Serão distribuídos para a nova vara 2.769 processos que antes tramitavam nas quatro varas da Infância, Juventude e do Idoso da capital e que são da competência da nova vara. A 1ª Vara Especializada em Pessoas Idosas será voltada para o atendimento de idosos em situação de vulnerabilidade e também fará o acompanhamento de abrigos destinados para essa parcela da população.

Saiba mais aqui ou ouvindo o áudio abaixo, da Agência Brasil:

 

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