">
O ano era 1972 e se comemorava o centenário de nascimento de Oswaldo Cruz, pesquisador, médico e sanitarista (que foi diretor técnico do Instituto Soroterápico Federal, que deu origem ao Instituto Oswaldo Cruz, também chamado como Instituto de Manguinhos), quando os funcionários da Biblioteca de Manguinhos reuniram toda a produção científica do pesquisador no livro “Oswaldo Gonçalves Cruz – Opera Omnia”.
Para facilitar o acesso aberto à obra, os pesquisadores Rosany Bochner, Maria Simone de Menezes Alencar, Rejane Machado e Marcelo Moreira organizaram os textos no e-book “Oswaldo Cruz: suas publicações e redes de colaboração”, que reunia o que está disponível no livro Opera Omnia e também na Biblioteca Virtual do sanitarista. O e-book será lançado no próximo dia 31 de outubro, durante 12º Encontro da Rede de Bibliotecas da Fiocruz.
Financiado pela Faperj – Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro, em 2015/2016, o projeto tinha por objetivo “identificar e coletar todos os trabalhos produzidos por Oswaldo Cruz, conhecer seus colaboradores, os principais temas tratados, a forma de citar por ele adotada ao longo dos anos e os principais pesquisadores citados e respectivos contextos são os objetivos desse projeto”. Sem falar, que o lançamento do e-book é mais um passo dentro da Política de Acesso Aberto ao Conhecimento, da Fiocruz, que visa à democratização do conhecimento e do acesso à informação científica.
Segundo Rosany Bochner, a ideia do e-book com os artigos e documentos de Oswaldo Cruz foi a de “democratizar a informação, falar sobre a obra científica de Oswaldo Cruz e aí, mais pessoas podem acessar. As pessoas conhecem as campanhas que ele fez, mas o que escreveu, poucos têm acesso”, explica . Ela também destaca que “muitos jovens podem se interessar pelo livro eletrônico, principalmente, os mais jovens, pois o e-book têm a vantagem de servir para todas as mídias.”
O projeto durou um ano (2015-2016) e, segundo Bochner, que também é coordenadora do Sinitox – Serviço Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas, do Icict/Fiocruz, “foi muito trabalhoso”. Os organizadores buscaram os documentos originais, digitalizaram tudo e, depois da coleta e organização do material bruto, transformaram em PDF para depositar no Repositório Institucional da Fiocruz, o Arca. “Demoramos um tempo ainda para transformar tudo em e-book e neste momento, com a ajuda do Erick Penedo, pesquisador aqui do Sinitox, incluímos também dois artigos nossos, como bônus, que explicam a metodologia que criamos e usamos”, afirma a pesquisadora. A metodologia permitiue que os índices adotados para a seleção de pesquisadores, fossem baseados no número de trabalhos em que o mesmo foi citado e no número de citações por trabalho.
Destacamos dois artigos e pedimos a especialistas que comentassem e fizessem um paralelo com os dias atuais. O primeiro foi o artigo 8, intitulado “As condições higiênicas e o estado sanitário da Gávea”, de 1894. Nele, Oswaldo Cruz aborda a situação da rua do Jardim Botânico, então, atravessada por “dois riachos, o rio Cabeça e o Macacos, que vão ter à lagoa Rodrigo de Freitas”, explicando as condições de higiene do local.
O pesquisador Christovam Barcellos, do Laboratório de Informação e Saúde (LIS) e também vice-diretor de Pesquisa, Ensino e Desenvolvimento Tecnológico, ambos do Icict, falou sobre o artigo. Segundo ele, “a divulgação do texto em formato de e-book permite resgatar o percurso acadêmico de Oswaldo Cruz e a evolução do pensamento sanitarista brasileiro, que sempre procurou atuar sobre o que hoje conhecemos como os determinantes sociais e ambientais das doenças”. Barcellos analisou o contexto da época e mostrou os acertos e equívocos de Oswaldo Cruz, considerando-se à epoca, e de sua contribuição ao mudar seu pensamento. Leia:
“Oswaldo Cruz teve grande importância na busca das causas das doenças transmissíveis e na atuação para sua redução ou eliminação. O texto demonstra sua capacidade de articular processos que se passam nas ruas, nas casas e nos rios com a transmissão de algumas destas doenças - como a febre amarela, a malária, difteria, febre tifóide no meio urbano, no caso o bairro da Gávea no Rio de Janeiro.
Hoje, o ciclo urbano da febre amarela não mais existe no Brasil, mas permanece como uma ameaça, dada à ampla infestação das cidades pelos mosquitos Aedes. Este texto, quase um relato desesperado, cujos adjetivos demonstram sua revolta com as condições de vida dos habitantes do bairro, representa bem determinação de Oswaldo Cruz na luta contra doenças que eram frequentes na cidade no fim do Século XIX.
Sua hipótese de que "o máu estado sanitario da Gavea é motivado pelo augmento rapido e crescente de sua população, sem que os recursos hygienicos tenham augmentado proporcionalmente" é atual no sentido de perceber que a urbanização acelerada, e não acompanhada por serviços de saneamento, foi responsável por diversos destes problemas de saúde.
No entanto, Oswaldo Cruz erra o alvo ao se fixar na descrição das águas paradas e dos esgotos como causas da febre amarela. Este equivoco poderia ter levado a intervenções inúteis e desastrosas ambientalmente, como o aterro da Lagoa Rodrigo de Freitas, preconizado no texto.
O texto é de 1894 e nesta época, Carlos Finlay já havia demonstrado que os mosquitos eram os vetores da febre amarela. Neste sentido, o texto marca uma fase de iniciação do pesquisador à microbiologia e à Medicina Tropical, que já reconhecia os 'germes' como agentes patogênicos mas não identificara ainda o combate ao mosquito como estratégia de eliminação da febre amarela urbana. Somente após seu retorno do estágio na França, Oswaldo Cruz alterou sua visão sobre o problema e passou a defendê-la arduamente como diretor-geral da Saúde Pública.”
“Moléstia reinante em Santos”, de 1900, é o décimo oitavo artigo, que na realidade é um relatório de Oswaldo Cruz para o então ministro da Justiça e Negócios Interiores, Campos Sales. Nele, o sanitarista aborda “no ponto de vista bacteriológico, a natureza da molestia reinante na cidade de Santos” (São Paulo), que então sofria com a peste bubônica, que retornou pela China (ela já tinha matado cerca de 200 milhões de pessoas no século XIV, na Europa e Ásia), passando pela Índia e chegando a Portugal; daí para a América do Sul, foi um pulo. Transmitida pela picada de pulgas infectadas pelo sangue de ratos pestosos, a peste é causada pela bactéria Pasteurella pestis.
O coordenador do Núcleo de Divulgação Científica, do Instituto Vital Brazil, o pesquisador e professor, Marcelo Moreira, falou sobre a importância deste artigo, que inspirou a criação da Fiocruz e do Instituto Butantan:
O relatório apresentado neste capítulo é fundamental para a Ciência brasileira, uma vez que, a partir dele, surgiu o embrião de duas das mais importantes instituições existentes ainda hoje no país: a Fundação Oswaldo Cruz e o Instituto Butantan. O relatório, que confirma a chegada da peste bubônica no Brasil, em momento de uma nascente industrialização baseada em mão de obra imigrante europeia, levou as autoridades sanitárias a instituir laboratórios de produção de soro antipestoso no país, já que importar da Europa seria bastante dispendioso.
Desse modo, Cesário Alvim, prefeito do então Distrito Federal - Rio de Janeiro -, acolhendo sugestão do Barão de Pedro Affonso, fundador do primeiro laboratório produtor de vacina antivariólica do país, cedeu as instalações da Fazendo de Manguinhos, distante do centro urbano e indicou, por sugestão de Émile Roux, o cargo de diretor deste laboratório a Oswaldo Cruz. Do mesmo modo, em São Paulo, Vital Brazil foi designado por Adolpho Lutz para dirigir o laboratório anexo do Instituto Bacteriológico na Fazenda Butantan, com o mesmo fim.
Todo documento histórico é importante, especialmente um que carrega em si mesmo as razões para a criação dos Institutos Oswaldo Cruz e Butantan. Em momento de pós-verdades, esse tipo de documento se reveste de uma importância ainda maior, já que a todo tempo percebemos a história tentando ser reescrita, sem consulta às fontes primárias.
O lançamento do e-book será realizado justamente em um encontro que debaterá “Ciência aberta e inovação”, o que enfatiza o caráter de acesso aberto do e-book. Rosany Bochner enfatiza a importância da publicação do livro digital “Oswaldo Cruz: suas publicações científicas e redes de colaboração”: “Em pleno século 21, é sempre importante lembrar desses grandes pesquisadores, que fizeram muito pelo país”.
A mesa redonda contará com a apresentação de Rosany Bochner e à mesa debatedora terá Lena Vânia Ribeiro Pinheiro, do Ibict/UFRJ, que falará sobre ‘Comunicação Científica’; Ana Heredia (ORCiD), que palestrará sobre ‘ORCiD e a Comunicação Científica’ e Viviane Veiga, coordenadora de Rede de Bibliotecas da Fiocruz, que abordará ‘Dados de pesquisa’. A mesa será mediada por Paula Xavier, da Vice-Presidência de Educação, Informação e Comunicação – VPEIC, da Fiocruz.
O Encontro acontece no Salão de Leitura da Biblioteca de Manguinhos, nos dias 30 e 31 de outubro, e, no caso especial do lançamento do e-book, na quarta-feira, 31/10, a partir das 10h10, com entrada franca, mediante a inscrição no link eventos.icict.fiocruz.br. A Biblioteca de Manguinhos fica na Av. Brasil, 4.365, em Manguinhos, no Rio de Janeiro (RJ).
Evento: Lançamento do e-book ‘Oswaldo Cruz: suas publicações científicas e redes de colaboração’ (dentro do XII Encontro da Rede de Bibliotecas da Fiocruz – 30/10 e 31/10/2018)
Data/Horário: 31/10/2018 – 4ª feira – 10h10
Local: Salão de Leitura da Biblioteca de Manguinhos – Av. Brasil, 4.365, em Manguinhos, no Rio de Janeiro (RJ)
Inscrições: eventos.icict.fiocruz.br
Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz)
Av. Brasil, 4.365 - Pavilhão Haity Moussatché - Manguinhos, Rio de Janeiro
CEP: 21040-900 | Tel.: (+55 21) 3865-3131 | Fax.: (+55 21) 2270-2668
Este site é regido pela Política de Acesso Aberto ao Conhecimento, que busca garantir à sociedade o acesso gratuito, público e aberto ao conteúdo integral de toda obra intelectual produzida pela Fiocruz.
O conteúdo deste portal pode ser utilizado para todos os fins não comerciais, respeitados e reservados os direitos morais dos autores.
Comentar