Pesquisador avalia redução de danos em usuários de drogas

por
Alessandro Pereira
,
15/08/2006

Para diminuir o impacto do uso de drogas, países como a Austrália, Espanha, EUA e o Brasil têm implementado o programa de redução de danos desde a década de 1980. Essa estratégia controla possíveis conseqüências do consumo de psicoativos (lícitos ou ilícitos) sem, necessariamente, interromper o uso. A troca de seringas faz parte das ações do programa e está sendo pesquisada pelo Centro de Informação Científica e Tecnológica (Cict). O tema também é destaque da edição especial de agosto dos Cadernos de Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp).

Segundo a pesquisa do Cict, a substituição das seringas usadas é desenvolvida no Brasil para evitar o aumento do HIV e da Aids entre os usuários de drogas injetáveis (UDI). De acordo com o coordenador do estudo, Francisco Inácio Bastos, essa medida diminui a expansão da epidemia, que se torna mais comum entre os UDI’s, uma vez que eles tendem a ter menos cuidados com a saúde. “O ideal seria o padrão um por um. Cada seringa usada seria trocada por uma nova, mas na realidade, a distribuição é feita de forma mais eficaz que a coleta. O que acaba sendo ruim, pois não há um equilíbrio”, alerta Bastos.

O programa de redução de danos no Brasil começou a ser implementado na metade dos anos 80. A primeira tentativa com a troca de seringas foi em Santos (SP), em 1989. Porém, somente seis anos depois (1995), o Ministério da Saúde conseguiu a autorização do poder judiciário para implementar o programa. Na época, a polêmica se baseava na acusação de que a estratégia de redução de danos estimulava o uso de drogas.

No estudo, Bastos e sua equipe fazem um levantamento de pesquisas feitas nos EUA e na Europa, comprovando que 20 anos depois de implantado, o programa de redução de danos não aumenta o consumo de drogas. “Mas até hoje existem juristas que vêem esses programas como incentivadores do consumo”, reconhece o pesquisador.

Leia a entrevista completa com Francisco Inácio Bastos

Cict - Que iniciativas o Brasil utiliza para a redução de danos?

Francisco Inácio Bastos - Após mais de 20 anos que as primeiras propostas de redução de danos foram lançadas, a idéia é sair do campo ideológico e trabalhar com as evidências científicas. Nos Estados Unidos, a maioria das avaliações dos programas de redução de danos mostra resultados positivos dessas iniciativas. Mesmo assim, há um veto federal para o financiamento desses projetos.

Cict - Qual é o principal entrave para o desenvolvimento das políticas de redução de danos?

Bastos - A questão moral e também a questão jurídica. Todas as avaliações realizadas nos programas de troca de seringa mostram que os programas não aumentam o uso de drogas nas comunidades onde são implementados, mas até hoje existem juristas que vêem esses programas como incentivadores do consumo.

Cict - Como está a situação no Brasil para ações de substituição de drogas?

Bastos - No Brasil, isso não existe porque o uso de drogas mais pesadas, como a heroína, não é comum. Essa estratégia de usar uma substância para a manutenção de uma pessoa sem usar droga ilícita é bem sucedida no mundo inteiro. Apesar disso, a Rússia proíbe a realização de programas com metadona, que substitui a heroína. A metadona faz parte da lista de medicamentos essenciais da Organização Mundial de Saúde (OMS). Por isso, é preciso reforçar as pesquisas de acordo com os achados científicos e deixar de lado as questões emocionais.

Cict - O Programa Nacional DST/ Aids garante que todos os pacientes tenham acesso universal ao tratamento da doença. Como funciona na prática?

Bastos – Esta questão é uma polêmica que não deveria ocorrer, mas existem profissionais de saúde que acabam excluindo os usuários de droga do tratamento, por acreditar que eles possuem uma vida mais irregular, desorganizada. Isso é discriminação. Privar uma pessoa do tratamento é um erro, mas infelizmente, ocorre no mundo todo.

Cict - De onde provêm os recursos para o desenvolvimento das ações de redução de danos?

Bastos - Inicialmente, os investimentos eram feitos pelo Ministério da Saúde, Banco Mundial e pela ONU. No entanto, houve uma descentralização dos recursos e os estados e municípios são responsáveis pelo dinheiro. Cada programa custa em média R$ 50 mil, variando de acordo com a cobertura e a região.  

Cict - Como é feita troca de seringas?

Bastos - O ideal seria o padrão um por um. Cada seringa usada seria trocada por uma nova, mas na realidade, a distribuição é feita de forma mais eficaz que a coleta. O que acaba sendo ruim, pois não há um equilíbrio.

Cict - No Brasil, através do SUS, como se consegue chegar até o usuário de drogas?

Bastos - Sempre através de organizações não-governamentais. Não acontece dentro das unidades do SUS, apesar de hoje ter programas de redução de danos integrados a PSF (Programa de Saúde da Família).

Cict - A cobertura desses programas é satisfatória no Brasil?

Bastos - Na verdade, a cobertura é maior onde o número de casos de UDI’s é maior, ou seja, nas Regiões Sul e Sudeste a redução de danos atende a mais pessoas.

Cict - Por que há mais casos nessas regiões?

Bastos - Aparentemente, pela rota de distribuição da cocaína, onde a droga está mais acessível e por um preço mais baixo. Com a diferença que no Sul as pessoas injetam mais e no sudeste elas cheiram mais.

Cict - Qual é o perfil dos usuários?

Bastos - Em sua maioria, são adultos jovens do sexo masculino, solteiros, com baixa escolaridade, inserção profissional precária e moradores de áreas pobres das grandes cidades.

Cict – O programa de redução de danos é um caminho para legalização das drogas?

Bastos - Não vejo dessa forma. Acredito que seja um caminho para descriminalização do consumo, porque essas iniciativas abordam o problema de saúde pública em detrimento da repressão.  Na minha opinião, se um indivíduo for pego usando droga, ele deveria ser encaminhado a uma unidade de saúde. É preciso entender que esses programas não têm nenhuma relação com o tráfico, é uma questão de saúde pública.

 

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