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O ano de 2014 foi marcado por grandes acontecimentos: na política, o Brasil teve a mais disputada eleição presidencial do período democrático brasileiro até aquele momento e teve início a Operação Lava-Jato. No esporte, foi o ano da Copa do Mundo no Brasil, e na área da saúde, 2014 ficou marcado pela epidemia do vírus Ebola, responsável pela morte de mais de 11 mil pessoas na África Ocidental. Já a Fiocruz dava um importante passo na direção da democratização do conhecimento e do acesso à informação científica: há 10 anos, a instituição lançava a sua Política de Acesso Aberto ao Conhecimento. Por meio de uma Portaria de 30 de abril de 2014, a Fundação institucionalizou as diretrizes que já vinham sendo seguidas com o “intuito de garantir à sociedade o acesso gratuito, público e aberto ao conteúdo integral da obra intelectual produzida pela Fiocruz”, como indica o documento, disponível no portal da Fiocruz.
O debate sobre o acesso aberto vem evoluindo na última década e, hoje, é uma realidade em todo o mundo. Junto com o Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações do Governo Federal, a Fiocruz ocupa uma posição de destaque nessa conversa, especialmente após o lançamento da Política, construída de forma coletiva com a participação de várias unidades da Fundação. O Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict) possui um papel importante nesse contexto por desenvolver e liderar algumas das principais iniciativas em acesso aberto da Fiocruz.
"A Política de Acesso Aberto da Fiocruz criou um regramento importante – tornando mandatórios os depósitos de teses, dissertações e artigos científicos no Arca –, ampliando e consolidando práticas já existentes, e impulsionou a construção de uma 'cultura de acesso aberto' na instituição. A partir da política, outros acervos, não mandatórios – como vídeos e demais produtos audiovisuais –, passaram a ser disponibilizados de forma mais intensiva, incorporando os fundamentos da Política”, afirma o diretor do Icict, Rodrigo Murtinho.
O Icict é vanguarda nesse debate ao promover o encontro da Ciência da Informação, com os campos da saúde e dos direitos humanos. “No Instituto, nós compreendemos a informação como um bem público, acreditamos que o conhecimento dever ser disponibilizado para a sociedade. O Icict está à frente de iniciativas estratégicas de acesso aberto da Fiocruz", completa Murtinho.
Para celebrar a data, a Fiocruz lançou um selo comemorativo (foto) e vem organizando conversas e encontros ao longo de 2024. O objetivo é refletir sobre a experiência nesse período, incorporar novos elementos e projetar os próximos passos. Uma das novidades dos últimos 10 anos foi a ampliação dos debates incorporando atividades análogas, que, juntas, passaram a ser caracterizadas como Ciência Aberta. No dia 23 de outubro, o Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde (PPGICS/Icict), em parceria com a Rede de Bibliotecas Fiocruz, promove a aula aberta "A comunidade acima do comercial”, destacando o legado da instituição e seu protagonismo na defesa do acesso aberto. O evento integra a disciplina Fundamentos da Comunicação e da Informação em Saúde II e faz parte da Semana Internacional de Acesso Aberto, de 21 a 27 de outubro, quando a comunidade internacional se mobiliza em torno do tema. Ainda no âmbito da Semana, nos dias 29 e 30 de outubro acontece o 18º Encontro da Rede de Bibliotecas Fiocruz, com debates sobre a democratização do acesso à informação.
🔗Icict lança selo comemorativo dos 10 anos da Política de Acesso Aberto da Fiocruz
🔗PPGICS terá aula aberta durante a Semana Internacional do Acesso Aberto
🔗18º Encontro da Rede de Bibliotecas Fiocruz debaterá a democratização do acesso à informação
Coordenado pelo Icict, o Repositório Institucional Arca é o principal instrumento da Política de Acesso Aberto da Fiocruz. A plataforma reúne milhares de teses, dissertações e artigos científicos produzidos pelos pesquisadores da Fiocruz, seja na Fundação ou em outras instituições. Entre 2014 e 2024, mais de 61 mil documentos foram hospedados na plataforma, reafirmando sua importância nos processos de preservação da memória institucional e de combate à desinformação. Em 2023 foram duas milhões de consultas aos documentos.
“Nestes 10 anos de publicação da Política de Acesso Aberto da Fiocruz, o Repositório Arca tem reunido, gerenciado, preservado e disseminado o conhecimento científico produzido. O caráter mandatório para o depósito das dissertações e teses dos programas de pós-graduação e dos artigos produzidos foi fundamental para permitir a gestão das informações e tornar público para toda a sociedade o conhecimento na área da saúde pública”, avalia a coordenadora do Arca, Claudete Fernandes.
A plataforma nasceu antes mesmo da estruturação do documento que guarda as diretrizes de acesso aberto da Fiocruz, como um projeto do Laboratório de Informação Científica e Tecnológica em Saúde (LICTS), em 2008/2009. Apenas em 2011, o Arca se torna o repositório oficial de toda a produção intelectual da Fiocruz.
Os repositórios institucionais foram criados como estratégia para viabilizar o acesso aberto à produção científica em instituições de todo o país ao reunir e gerenciar em um único lugar todas os trabalhos. Esse mecanismo de funcionamento dá visibilidade aos conteúdos de forma confiável, já que eles estão hospedados em um ambiente institucional seguro. “Além disso, os repositórios são responsáveis por aumentar a média de citações aos trabalhos, gerar dados estatísticos e garantir a preservação digital dos documentos”, acrescenta Claudete.
Para garantir que todas as teses, dissertações e artigos científicos produzidos na Fiocruz sejam disponibilizados, cada unidade possui um Núcleo de Ciência Aberta (NCA), que conta com profissionais de diferentes áreas. “Precisamos ressaltar o trabalho dos bibliotecários na gestão do Arca durante esses 10 anos. O estabelecimento de diretrizes e padrões para o processo de organização das informações e dos objetos digitais são levados em consideração durante o processo de alimentação no Repositório”, completa Claudete.
Como meio de fortalecer, ampliar e otimizar o movimento de ciência aberta em todo o país, foi criada em 2014 a Rede Brasileira de Repositórios Digitais (RBRD), por iniciativa do Ibict. Os participantes estão divididos em cinco sub-redes regionais: Centro-Oeste, Nordeste, Norte, Sul e Sudeste, que atuam de forma independente, mas colaborativa. Como reconhecimento pelo trabalho pioneiro exercido pelo Arca, o Icict coordena a Rede Sudeste, que conta atualmente com 94 instituições.
🔗II Encontro da Rede Brasileira de Repositórios Digitais acontece em agosto no Rio de Janeiro
Há 10 anos, o debate sobre acesso aberto já estava avançado em vários países quando ganhou maior espaço na Fiocruz. Um marco do movimento a favor do livre acesso à informação científica foi a elaboração, no final dos anos 90, da Declaração de Budapeste (Budapest Open Access Iniciative – Boai) , que definiu duas estratégias básicas para a divulgação e publicação de trabalhos científicos: a criação de repositórios institucionais (Via Verde) e a produção e disseminação de periódicos científicos na internet, sem restrições de uso (Via Dourada).
No Brasil, mais recentemente, o que intensificou a conversa sobre a importância do acesso aberto foram os altos valores das Taxas de Processamento de Artigos (APCs, sigla em inglês). As APCs são valores – altos em sua grande maioria – pagos pelos pesquisadores para publicação dos artigos em revistas científicas de respaldo acadêmico. É uma prática que existe em todo o mundo, mas que vem sendo cada vez mais questionada por reforçar as desigualdades entre os pesquisadores e entre as instituições de pesquisa. Para a comunidade acadêmica, esse talvez seja o maior desafio a ser enfrentado atualmente. Vale destacar que há também o acesso aberto diamante, que refere-se a textos acadêmicos publicados/distribuídos/preservados sem taxas para o leitor ou autor. Esse tipo de acesso aberto foi criado para diferenciar das revistas que dão acesso livre aos artigos, mas cobram as APCs.
“Precisamos avançar nas discussões sobre as Taxas de Processamento de Artigos (APCs). Esse formato aumenta a desigualdade, aumenta a falta de acesso, porque para publicar o seu artigo você precisa ter recurso financeiro. Para os próximos 10 anos, precisamos refletir e discutir a elaboração de uma política institucional e até nacional para a via dourada. De que forma podemos apoiar uma plataforma de periódicos de acesso aberto? De que forma a gente investe recursos na produção científica do país e no acesso de outros países a essa produção, sem ser apenas financiando os grandes publicadores científicos internacionais?”, questiona Viviane Veiga, coordenadora da Rede de Bibliotecas Fiocruz.
Segundo levantamento realizado pelo Grupo de Trabalho em Acesso Aberto da Fiocruz, a Coordenação-Geral de Educação da Vice-Presidência de Educação, Informação e Comunicação (VPEIC/Fiocruz) concedeu, entre 2019 e 2023, auxílios para a publicação de 124 artigos, somando R$ 1.204.680,75. Esse valor representa uma média de R$ 9.700 por artigo. Os dados foram apresentados durante a Conferência Livre "Acesso Aberto: Possibilidades e Limites dos Acordos Transformativos e APCs", realizada em abril, na Fiocruz.
📝A pesquisa completa está disponível no Arca. Clique aqui para ler.
🔗Conferência Livre na Fiocruz debate Acesso Aberto
“Mais um desafio, que se relaciona com a cobrança das APCs, é a mudança nos critérios de avaliação da ciência da Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior]. Seria interessante valorizarmos uma pesquisa mais pelo seu impacto social, para o SUS e a vida das pessoas, do que contarmos apenas com um impacto por citação em uma publicação internacional. É necessário rever essa métrica. De que forma podemos realizar uma avaliação justa e alinhada aos princípios da ciência aberta?”, questiona Viviane.
Entre os eventos realizados para comemorar os 10 anos da Política, em junho, a Biblioteca de Manguinhos sediou o 1º Encontro de Tecnologias e Acesso Aberto, com a participação de convidados nacionais e internacionais para debater os atuais desafios da comunicação científica.
"Este é um ano muito importante para a Fiocruz. Ano em que estamos comemorando a Política de Acesso Aberto ao Conhecimento, uma referência para a comunidade nacional e internacional. Ela é fruto de muito debate, de muito trabalho de pessoas que se envolvem com o tema há muitos anos. Além de ser um ano de celebração, de festa para nós na Fiocruz, também é um momento de reflexão. É um ano para se olhar tanto para trás, para os princípios que nos levaram a essa política, mas também para refletir sobre o que aconteceu no cenário nacional e internacional nesses 10 anos em relação ao acesso aberto. E pensar também quais são os nossos desafios e obstáculos e como nós avançamos nessa discussão, sempre olhando para os princípios norteadores que construíram essa política", avalia a coordenadora de Informação e Comunicação da Vice-Presidência de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz (CINCO/VPEIC/Fiocruz), Vanessa Arruda.
Durante o evento, ela destacou o avanço de inúmeras iniciativas da Fiocruz nesse período, lembrando que muitas delas já existiam antes mesmo do lançamento da Política. "Olhando para os desafios, num cenário mundial, o discurso do acesso aberto foi apropriado em determinados espaços e hoje enfrentamos a questão do pagamento das APCs e desafios relacionados à infraestrutura. Nossa proposta para os próximos anos é seguir construindo nossos caminhos via debate coletivo para avançar cada vez mais", comentou Vanessa.
🔗Icict realiza encontro sobre ciência aberta, sustentabilidade e OJS
Para Rodrigo Murtinho, a Fiocruz tem a missão de, em 2024, atualizar a política, ampliando seu escopo e incorporando novos desafios. Ele compreende que “o fortalecimento da 'cultura de acesso aberto' é estratégico para ampliar as ações de Ciência Aberta na fundação”. Diante da ausência de uma legislação nacional, o diretor acredita ser “essencial o fortalecimento das políticas nas instituições e dos elos de articulação entre os órgãos comprometidos com a ciência aberta”.
Apesar dos esforços de muitas instituições de pesquisa em ampliar o debate, ainda não há uma política nacional sobre o tema. Houve o Projeto de Lei 1.120/2007, do então deputado federal Rodrigo Rollemberg (PSD-DF), que propunha a obrigatoriedade da implantação e do desenvolvimento de repositórios institucionais em universidades e institutos de pesquisa. O PL passou pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) e pela Comissão de Educação e de Cultura (CEC), mas acabou arquivado em 2011.
📄Acesse o Projeto de Lei 1.120/2007
Países como Argentina, México, Holanda e Portugal estão com o debate mais avançado, especialmente depois da pandemia de COVID-19, como explica o professor e pesquisador Eloy Rodrigues, diretor dos Serviços de Documentação da Universidade do Minho, em Portugal, desde 2002. Responsável pela criação do RepositóriUM (o repositório institucional da universidade), em 2003, Rodrigues é hoje um dos principais especialistas em acesso aberto.
Na entrevista abaixo, Rodrigues exalta a Política lançada pela Fiocruz há 10 anos como “pioneira e alinhada às melhores práticas” e aponta questões relativas à sustentabilidade e governança, à inovação e à forma de avaliação dos pesquisadores como os grandes desafios para o acesso aberto em todo o mundo. “A alteração dos métodos e critérios de avaliação da pesquisa e dos pesquisadores é o ponto chave para a consolidação definitiva da ciência aberta”, acredita o pesquisador.
Pergunta: A Fiocruz foi umas das instituições pioneiras no Brasil no debate sobre Acesso Aberto (e por consequência sobre Ciência Aberta) com a elaboração da Política da Instituição, há 10 anos. Como o senhor avalia esse movimento da Fiocruz? E, se possível, como avalia a própria política que está completando 10 anos?
Resposta: Eu penso que a definição da Política de Acesso Aberto ao Conhecimento da Fiocruz em 2014 foi um passo muito importante. A Fiocruz, com a criação do repositório Arca e também através da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (Ensp), já vinha desenvolvendo, pelo menos desde 2011, alguns posicionamentos, iniciativas e atividades de promoção do acesso aberto, mas só em 2014, com a elaboração da política, é que o engajamento da Fiocruz com o movimento do acesso aberto, e também da ciência aberta, se consolidou e estendeu a toda a instituição.
Tendo em conta a dimensão e a importância da Fiocruz na realidade brasileira, a definição de uma política de acesso aberto aplicada a toda a instituição seria sempre muito relevante. Mas, para além disso, há ainda dois outros aspectos que quero sublinhar: o primeiro é que a política da Fiocruz é uma das primeiras (ou mesmo a primeira, pelo menos das que conheço) políticas de acesso aberto de instituições brasileiras. O segundo é o conteúdo e qualidade da política que, quando foi definida, estava muito alinhada com as melhores práticas e recomendações internacionais relacionadas às políticas de acesso aberto a publicações.
Por isso, a Política de Acesso Aberto ao Conhecimento da Fiocruz não só foi pioneira no Brasil como era, e no essencial continua a ser (ainda que certamente possa sofrer melhorias e atualizações para ficar mais alinhada com as mais recentes recomendações internacionais), uma boa política.
P: Em que estágio está o debate internacional sobre ciência aberta? Quais seriam os principais temas em questão neste momento?
R: O debate internacional sobre a ciência aberta está muito vivo e intensificou-se nos últimos anos. A pandemia de COVID-19, e a adoção de muitas práticas abertas como a partilha de dados, a publicação de preprints, ou revisão por pares aberta ou pós-publicação, foi uma demonstração prática dos benefícios da ciência aberta, e que ela é a forma mais eficiente e eficaz de fazer pesquisa e produzir conhecimento.
E, nos últimos anos, tem-se multiplicado iniciativas em favor da ciência aberta em vários níveis: desde instituições individuais (como universidades e centros de pesquisa), agências de fomento ou governos nacionais, até uma organização global como a UNESCO, que aprovou em 2021 a sua Recomendação da UNESCO sobre Ciência Aberta, um importante documento para ajudar o desenvolvimento e a implementação da ciência aberta em países de todo o mundo.
Tendo em conta que a ciência aberta é um movimento e uma prática muito abrangente, com múltiplas dimensões, os temas são também muito diversos. Mas penso que há três pontos principais em torno dos quais o debate tem se concentrado e que, na minha opinião, determinarão o futuro da ciência aberta. São três temas distintos, mas profundamente interligados: a sustentabilidade e governança, a inovação e a avaliação.
A questão da sustentabilidade e da governança tem essencialmente a ver com o modelo econômico usado e com quem domina e governa o sistema de publicação científica. Os últimos anos demonstram que a transição para o acesso aberto através do pagamento de taxas de publicação (os APCs) e com a manutenção das revistas e grandes grupos editoriais que controlam o mercado, tem aumentado os custos e não é sustentável. Como alternativa, tem crescido o apoio a infraestruturas, serviços e revistas não comerciais, sustentadas por instituições e comunidades, sem taxas de publicação. Esse conjunto de iniciativas é hoje designado de acesso aberto diamante.
A inovação está relacionada com o aproveitamento integral das possibilidades tecnológicas para tornar o sistema de publicação científica e acadêmica mais eficiente e econômico. Trata-se de ir para além das práticas tradicionais de publicação, que foram definidas nos últimos 300 anos, quando a comunicação tinha de ser feita em suportes impressos, e adotar modelos inovadores, que aceleram a disseminação dos resultados, como o designado PRC (Publicar-Rever-Cuidar), onde se começa por publicar um preprint, que pode depois ser revisto por pares (tendencialmente em revisão por pares aberta) e terminar sendo aprovado para publicação numa revista científica.
Finalmente, o tema da avaliação da pesquisa e dos pesquisadores é um aspecto crítico. Desde o final do século XX, a avaliação da pesquisa e dos pesquisadores tem sido baseada principalmente (e em alguns casos exclusivamente) em métricas de publicação, como o número de artigos publicados e a revista onde são publicados (através do fator de impacto ou sistemas similares como o Qualis CAPES, usado no Brasil). Esse sistema de avaliação reforça a pressão para publicar em revistas de “prestígio”, com alto fator de impacto, tornando o mantra “Publish or Perish” (“publicar ou perecer”, em inglês) no ainda pior “Publish in high impact journals, or perish” (“publique periódicos de alto impacto ou padeça”), o que contraria a adoção da ciência aberta pelos pesquisadores.
Na última década aumentou a consciência das limitações e problemas de qualidade e confiabilidade deste sistema de avaliação e do seu profundo impacto negativo, com o crescimento de más práticas de publicação e citação. Com isso surgem muitas iniciativas para a reforma da avaliação da pesquisa, deixando de focar-se nas métricas de publicação, promovendo uma avaliação mais qualitativa e que reconheça todos as contribuições. A ciência aberta e a reforma da avaliação da pesquisa são dois movimentos diferentes, mas com muita convergência e interdependência.
P: Quais são os países mais avançados nesse debate e que tipo de iniciativas os colocam nessa posição?
R: É difícil dizer quais são os países mais avançados, pois existem iniciativas e ações concretas muito relevantes um pouco por todo o mundo. Por exemplo, na América do Sul, que sempre liderou a publicação em acesso aberto sem taxas de publicação ou APCs, o acesso aberto diamante tem se consolidado em iniciativas como a Amelica. No entanto, mesmo correndo o risco da minha percepção ter um viés europeu, penso que nos últimos anos a Europa tem estado na vanguarda da promoção da ciência aberta. E isso acontece em vários níveis, desde o das universidades (algumas das quais têm definido políticas de ciência aberta muito avançadas), passando pelo nível nacional com vários países (como a França, a Espanha e a Holanda, por exemplo) com estratégias, políticas ou planos nacionais, e chegando até o nível europeu, com várias iniciativas muito relevantes da Comissão Europeia e do Conselho Europeu.
Quero aqui destacar duas iniciativas e documentos que me parecem muito importantes: a primeira foi a iniciativa para a reforma da avaliação da pesquisa, da qual resultou em 2022 o Acordo sobre a reforma da avaliação da pesquisa, e a CoARA (Coalition for Advancing Research Assessment), que já reúne mais de 600 organizações, incluindo o IBICT, do Brasil, e várias outras entidades da América do Sul. A segunda é o documento de Conclusões do Conselho Europeu de maio de 2022 (Conclusões sobre a publicação académica de elevada qualidade, transparente, aberta, fiável e equitativa) que incentiva os países europeus a intensificar o apoio ao desenvolvimento de políticas e estratégias institucionais e de financiamento de apoio aos modelos e infraestruturas de publicação acadêmica de acesso aberto sem fins lucrativos. Ou seja, um incentivo aos modelos e serviços não comerciais e não baseados em APCs.
P: Qual é hoje o principal desafio posto à ciência aberta hoje? Podemos dizer que seriam as APCs? No Brasil este tem sido um tema bastante debatido, especialmente por conta das grandes cifras envolvidas...
Eu penso que os principais desafios são aqueles que já identifiquei anteriormente: a sustentabilidade e governança, a inovação e a avaliação. A questão dos APCs e dos acordos transformativos é certamente muito importante sobretudo na questão da sustentabilidade e governança. Existe crescente evidência que a utilização de APCs não tem contribuído para a sustentabilidade e a diminuição dos custos no sistema de publicação. Pelo contrário. E o mesmo se passa com os chamados acordos transformativos que, para além de não contribuírem para a diminuição de custos, não estão transformando as revistas de assinatura em revistas de acesso aberto no ritmo ou na dimensão que se previa. De acordo com o estudo da Coaltion S, publicado em 2023, 68% das revistas incluídas nos acordos transformativos não cumpriram as metas definidas.
Os problemas da insustentabilidade e iniquidade já são reconhecidos por um número crescente de organizações e países e nas Conclusões sobre a publicação acadêmica de elevada qualidade, transparente, aberta, fiável e equitativa os ministros dos países europeus expressaram “preocupação com o fato de os custos crescentes dos sistemas de acesso pago às publicações científicas e à publicação acadêmica causarem desigualdades e estarem se tornando insustentáveis para os financiadores públicos da investigação e para as instituições responsáveis pela utilização de fundos públicos, diminuindo o financiamento disponível para a investigação”. Financiadores e organizações, principalmente na Europa, que há alguns anos defenderam e promoveram o uso de APCs e os acordos transformativos, estão mais críticos com relação a esta via e têm apoiado soluções alternativas, não baseadas em APCs. O mesmo se passou recentemente com a nova política de acesso aberto da Bill & Melinda Gates Foundation, que deixou de suportar o pagamento de APCs.
Por isso, visto de fora, me parece uma triste ironia que o Brasil, que tem uma longa tradição de acesso aberto não comercial e sem uso de APCs, esteja começando a investir nessa via, precisamente no momento em que ela começa a ser abandonada na Europa e nos Estados Unidos.
P: Em uma entrevista à Revista Lusófona de Estudos Culturais em 2022, o senhor explica que a pandemia foi importante para mostrar as vantagens da circulação do conhecimento científico em acesso aberto e ao mesmo tempo questiona se essa prática sobreviveria à pandemia. Qual é sua avaliação hoje? Já podemos considerar a ciência aberta um modelo mais consolidado?
R: Eu penso que a ciência aberta é um modelo muito mais conhecido e também mais consolidado hoje. Mas não possa deixar de observar que se regista em vários aspetos um regresso ao passado, pré-pandemia, com os pesquisadores de novo preocupados em publicar muito, e em revistas de “prestígio”. E isso é de algum modo natural, enquanto os pesquisadores continuarem a ser avaliados pelo número de artigos que publicam e pelo “lugar” onde publicam. Por isso, a alteração dos métodos e critérios de avaliação da pesquisa e dos pesquisadores é o ponto chave para a consolidação definitiva da ciência aberta. Não haverá uma completa transição para a ciência aberta sem uma alteração da avaliação da pesquisa.
🔓 ARCA - O Repositório Institucional Arca tem a função de reunir, preservar e dar visibilidade à produção intelectual da Fiocruz. A plataforma reúne teses, dissertações, artigos científicos, capítulos de livros e demais produções de pesquisadores da instituição, além de manuais, relatórios, projetos e diversos outros tipos de documentos da instituição. O Arca é o principal instrumento da Política de Acesso Aberto da Fiocruz, reunindo, hoje, mais de 61 mil documentos na plataforma. Em 2023 foram registradas cerca de 2 milhões de consultas ao seu acervo.
🔓 ARCA DADOS - Um passo à frente no comprometimento da Fiocruz com os preceitos da ciência aberta, o Arca Dados é o repositório oficial de dados para pesquisa da Fiocruz. É uma plataforma voltada para arquivar, publicar, disseminar, preservar e compartilhar os dados digitais para pesquisa produzidos pela comunidade Fiocruz e/ou em parceria com outros Institutos ou órgãos de pesquisa. O Arca Dados é coordenado pela Vice-Presidência de Educação, Informação e Comunicação (VPEIC/Fiocruz), em parceria com Icict.
🔓 FIOCRUZ IMAGENS - Fiocruz Imagens é o banco de imagens digitais da Fundação Oswaldo Cruz. É formado por um acervo diversificado de fotografias, desenhos e ilustrações em acesso aberto, organizados em diferentes galerias que contemplam a área da comunicação e saúde. É um importante acervo histórico e fonte de pesquisa de imagens para imprensa, pesquisadores e sociedade em geral. O Fiocruz Imagens é um dos projetos gerenciados pelo setor de Multimeios do Icict.
🔓 PCDaS - Iniciativa desenvolvida pelo Laboratório de Informação em Saúde (LIS) do Icict, a Plataforma de Ciência de Dados aplicada à Saúde (PCDaS) disponibiliza ferramentas de análise e gestão de dados de forma gratuita, auxiliando pesquisadores, docentes, discentes e gestores no planejamento e na tomada de decisões por meio dos dados.
🔓 PORTO LIVRE - A Porto Livre é a plataforma de livros em acesso aberto da Fiocruz. Seu acervo está em constante expansão, sendo alimentado por títulos de interesse científico e social publicados por universidades, centros de pesquisa, editoras, movimentos sociais e ONGs. Atualmente, conta com mais de 400 títulos disponíveis para download, seguindo a Política de Acesso Aberto e demais iniciativas de ciência aberta da Fiocruz.
🔓 PORTINHO LIVRE - Desdobramento da Porto Livre, a Portinho Livre reúne os livros infantojuvenis em acesso aberto. A iniciativa é um estímulo para que crianças e adolescentes desenvolvam interesse pela ciência, pela saúde pública e pela cidadania.
🔓 RECIIS - A Revista Eletrônica de Comunicação, Informação e Inovação em Saúde (Reciis), editada pelo Icict desde 2007, é um periódico interdisciplinar de acesso aberto. Seus textos são inéditos, em português, inglês, espanhol ou francês, com temas de interesse para as áreas de comunicação, informação e saúde coletiva. A Reciis é mais uma importante ferramenta da Política de Acesso Aberto, pois não cobra taxa de processamento de artigos. Ela faz parte do Portal de Periódicos Fiocruz junto com outras oito publicações que oferecem livre acesso aos seus conteúdos.
🔓 REDE DE BIBLIOTECAS DA FIOCRUZ - Coordenada pelo Icict, a Rede de Bibliotecas da Fiocruz reúne obras adquiridas desde 1900, data da criação do antigo Instituto Soroterápico Federal, hoje Fiocruz. Reúne, articula e integra as várias bibliotecas da Fundação, qualificando o atendimento ao usuário e potencializando as ações de difusão da informação científica e tecnológica em saúde.
🔓 SEÇÃO DE OBRAS RARAS - A Seção de Obras Raras contempla as obras dos séculos XVII ao XXI, considerados os tesouros da Biblioteca de Manguinhos. Por conta da necessidade de conservação do acervo, as consultas presenciais são restritas. Desde 2011, no entanto, as obras vêm sendo digitalizadas, garantindo maior preservação e a oportunidade de acesso livre e gratuito ao público.
🔓 VIDEOSAÚDE - Com mais de 30 anos de atividades, a VideoSaúde Distribuidora da Fiocruz é um polo de produção, divulgação e preservação de materiais audiovisuais em saúde. Sob coordenação do Icict, atua na pesquisa, captação, catalogação, produção, fomento e distribuição de produtos audiovisuais que contribuem para o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS). O acervo soma mais de 9 mil títulos e mais de 400 filmes estão disponíveis em sua plataforma de acesso aberto, conhecida como Fioflix.
Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz)
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