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Empresas que resistem de todas as formas contra a regulamentação da comunicação prevista pela Constituição. Governos que optaram pela conciliação com esses interesses e, agora, "pagam o pato" por não terem avançado no debate do tema. As consequências para o SUS, que desde sua criação sofre uma campanha negativa por parte da mídia. Esses elementos delinearam o debate promovido pela mesa 'Democracia, participação e comunicação para o SUS', referente ao eixo I da 15a Conferência Nacional de Saúde, que aconteceu na quarta-feira (2). Coordenada pela presidente do CNS, Maria do Socorro, o debate reuniu Marcelo Lavenere, representando a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Altamiro Borges, do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, e Umberto Trigueiros, diretor do Instituto de Comunicação e Informação Científica em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Icict/Fiocruz).
Segundo Marcelo Lavenere, a 15a CNS é uma confirmação de que "o país não está no fundo do poço". O advogado falou principalmente sobre a conjuntura política e comentou a recente conquista do fim do financiamento privado nas eleições brasileiras. O pleito, que impede que empresas doem dinheiro a partidos e candidatos, é, em parte, resultado da pressão exercida pela Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) apresentada pela OAB ao Supremo Tribunal Federal. Após ficar dois anos paralisada por um pedido de vistas do ministro Gilmar Mendes, a ADI foi a julgamento no dia 18 de setembro, quando por oito votos a três as doações foram proibidas. Em paralelo, ao longo de 2015, o Congresso Nacional discutiu e votou o que foi chamado de 'mini' reforma política. No parlamento, a matéria teve reviravoltas, sendo a Câmara dos Deputados favorável à manutenção da participação empresarial na vida política brasileira, enquanto a maioria no Senado se posicionou contra. "Fizemos pressão no STF, depois pressão pelo veto presidencial. O veto aconteceu, veio parar na Câmara que não conseguiu derrubá-lo. Vocês assistiram às últimas eleições no país com o dinheiro do capitalista. Ano que vem tem eleições municipais e o pobre, o agente de saúde, o líder popular vão poder se candidatar. Não vai ter mais dinheiro de tubarão financiando as eleições", comemorou.
Marcelo também falou da crise, que considera um fenômeno mundial vinculado ao esgotamento da economia capitalista. "Mariana é a prova evidente de uma economia e visão política que privilegia os mais poderosos e ricos e abandona o restante". Especificamente sobre a crise política, ele considerou que a direita brasileira "tenta emplacar nesse país um regime neoliberal" e aposta no "quanto pior, melhor".
Ele também defendeu uma reforma tributária progressiva - "Não concordamos com matriz tributária que deixa o tubarão sem pegar imposto nenhum, enquanto onera o pequeno e o médio contribuinte" - e a volta da CPMF, com a ressalva de que a contribuição não deveria ser cobrada dos mais pobres. A menção ao assunto provocou manifestações negativas na plateia. Maria do Socorro tomou a palavra para esclarecer que o Conselho Nacional de Saúde lançou um documento em que defende a volta da CPMF, desde que ela seja destinada à Seguridade Social - e não à Previdência, como propõe o governo federal. "Não seremos bucha de canhão para o rombo da Previdência", afirmou.
Altamiro Borges também falou sobre a conjuntura. Para o jornalista, a Europa, a América Latina e o Brasil enfrentam uma "grande onda conservadora que vem casando um programa econômico de liberalismo feroz, com diminuição do papel do Estado e do gasto social, com um neofascismo". Prova disso, segundo ele, é a composição atual do Congresso Nacional, onde a representação dos setores progressistas caiu de 90 pra 40 parlamentares, enquanto houve expressivo crescimento da chamada bancada BBB: bala, bíblia e boi. "Mas a onda conservadora não está só no Congresso, mas na sociedade, como pudemos ver pelas manifestações de ódio ao papel do Estado e valorização hipócrita do papel da iniciativa privada, como se não tivesse corrupção, só eficiência, que o diga os compradores de carros da Volkswagen e a privatização da Vale", ironizou. Para ele, quem perde com as manifestações da direita não são só a presidente Dilma Rousseff ou o Partido dos Trabalhadores, "mas o movimento social como um todo, a esquerda".
Segundo Borges, a situação a esse ponto graças a um componente decisivo: a mídia brasileira. Ele explicou que quando se refere à "mídia" quer dar a entender um complexo que trabalha com informação, entretenimento e cultura, usando ferramentas como a televisão, o rádio, o jornal, o cinema e a internet, em suma, megaempresas que têm motivações econômicas e políticas. "No Brasil, o capitalismo nem chegou. Ainda estamos no feudalismo, pois são famílias que controlam 80% do que é produzido e elas destilam seu veneno diariamente na sociedade porque tem interesses econômicos e políticos", afirmou.
A campanha contra o Sistema Único de Saúde seria um exemplo claro das consequências dessa concentração. Segundo Altamiro, a mídia trabalhou contra o SUS e contra os direitos trabalhistas da Constituinte até hoje. Mas essa manipulação, explicou o jornalista, não se sustenta apenas em mentiras. "É mais sofisticada. O problema da manipulação não está na mentira, mas no realce e na omissão. O que a mídia faz? Só destaca os aspectos negativos - filas, mortes, macas no corredor - e esconde o que tem de positivo no SUS. Ela esconde que o SUS é responsável por 95% dos transplantes, 100% da vacinação, 85% dos procedimentos de alta complexidade", enumerou, completando: "Mesmo quando [a mídia] mostra uma experiência bem sucedida, ela não carimba SUS. É como se aquilo fosse iniciativa privada. Com isso, ela cria na sociedade uma visão distorcida de que o SUS não presta".
As razões por trás da campanha negativa, segundo Altamiro, é que as empresas têm vínculos diretos com o capital privado, que pagam anúncios nesses veículos. Ele também avalia que os empresários brasileiros "defendem o Estado mínimo para os pobres e máximo para eles". Ele lembrou ainda que se a crise de gestão na Unimed paulista estivesse acontecendo com o SUS, os articulistas mais conhecidos da mídia comercial - Merval Pereira, Miriam Leitão [ambos de O Globo] etc. - estariam "histéricos". Mas como é com uma empresa, eles silenciam.
Altamiro Borges fez uma crítica aos governos do PT, que não "tomaram uma atitude" com relação à regulação da comunicação no Brasil. "Acho que o governo cometeu um gravíssimo erro e está pagando o pato por isso, ajudou a chocar esse ovo da serpente fascista. Achou que não teria forças para enfrentar, tentou combinar conciliação com pragmatismo, concessão de publicidade. Mas não existe tranquilidade diante da mídia monopolista e manipuladora. Ela não recua, só vai radicalizando". Como exemplo de princípios constitucionais que deveriam ser regulamentados por lei, ele citou a proibição da propriedade privada, que é quando uma empresa possui TV, rádio, jornal, portal na internet. A medida é proibida em diversas democracias liberais, como os Estados Unidos, lembrou.
O jornalista considera que mesmo que o Congresso Nacional "seja complicado", os movimentos sociais e a sociedade civil devem intensificar a batalha pela democratização da comunicação e fortalecer a luta pela regulação. Ele convidou os presentes a acessaram o site do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) onde se coletam assinaturas para o encaminhamento do Projeto de Lei de Iniciativa Popular que regulamente a comunicação no Brasil.
Umberto Trigueiros, do ICICT, observou que ao longo de todo ano, as etapas distritais, municipais e estaduais da 15a Conferência aconteceram em todo Brasil mas, no entanto, não se viu nenhum destaque na mídia nacional. "Parece que não aconteceu. A mídia não tem interesse nas coisas do povo, a não ser nas mazelas da imprensa marrom", afirmou. Ele também lamentou o fato de, até hoje, só ter havido uma Conferência Nacional de Comunicação - sem resultados expressivos - e criticou os governos do PT por não terem enfrentado a regulação da mídia. "Tinha muitas esperanças na alteração desse quadro, mas fiquei um pouco chocado quando, no início do governo Lula, o primeiro ato de comunicação do presidente foi conceder uma entrevista exclusiva na bancada do Jornal Nacional. Primeiro porque já se sabia da trajetória daquele veículo e segundo porque foi um atentado à democracia da comunicação, tinha que ser [uma entrevista] coletiva e não exclusiva", lembrou. Segundo ele, o episódio sinalizou que o governo federal nutria uma crença de que era possível "lidar de forma democrática ou civilizada com aquele meio de comunicação que não tem nada de civilizado, respeitoso ou democrático".
Trigueiros afirmou que a sociedade civil, movimentos sociais e algumas instituições têm feito um esforço para alterar esse quadro. Em relação à saúde, ele informou que Fiocruz, CNS, Abrasco e Cebes organizaram em setembro um evento chamado "I Diálogo Pense SUS". O conjunto de seminários teve como objetivo discutir alternativas no campo da comunicação e informação em saúde. O "Pense SUS" é um site que reúne entrevistas, reportagens, análises, vídeos, pesquisas e artigos, sempre com o pano de fundo do fortalecimento do Sistema Único de Saúde.
Algumas das propostas tiradas dos seminários foram citadas por Trigueiros. Uma delas é a necessidade de que a banda larga de internet chegue a todas as regiões do país. Ainda sobre a internet, ele mencionou a importância de se garantir normas que regulem o uso, o acesso e o controle na internet "para que não caia na vala comum do que é a mídia hoje, com cruzamento de propriedade".
Ele citou ainda a criação do Conselho Nacional de Comunicação, com representação da sociedade civil, dos meios de comunicação e dos sindicatos e um uso mais transparente do Fundo Nacional de Telecomunicações. "É grande e até hoje não foi usado corretamente. Nós todos que temos telefone, pagamos um imposto para o fundo. Cadê esse dinheiro? Deveria ser usado para fomentar as rádios e TVs comunitárias, estimular a TV pública", defendeu.
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