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Parecia uma reunião de velhos amigos que há algum tempo não se viam – esse foi o clima que permeou o início da aula inaugural do Icict, no último dia 13 de março, que teve como tema ‘A Universidade, o conhecimento, a intolerância e a censura: reflexos na ecologia de saberes em saúde’, com o pesquisador Naomar Monteiro de Almeida Filho, da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
O evento reuniu, no Salão de Leitura da Biblioteca de Manguinhos, alunos e professores do Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde (PPGICS), pesquisadores do Instituto, da Fiocruz e até de fora do Rio de Janeiro.
A presidente da Fiocruz, Nísia Trindade, não pode permanecer para a abertura da aula inaugural, mas fez questão de passar e dar um abraço em Naomar de Almeida Filho e parabenizar o diretor do Icict, Rodrigo Murtinho, pela escolha do palestrante e do tema. Para substituí-la, o vice-presidente de Educação, Informação e Comunicação, Manoel Barral Neto. Também na abertura, Christovam Barcellos, vice-diretor de Pesquisa, Ensino e Desenvolvimento Tecnológica/Icict, Christovam Barcellos, e o representante da Associação Nacional dos Alunos de Pós-graduação (ANPG), Jefferson de Matos Campos, aluno do PPGICS.
O primeiro a falar foi Campos, que defendeu a “importância de os alunos ocuparem os espaços de luta (como a ANPG), pois isto fortalece a todos e é o avanço de um processo democrático”. Já Barcellos, falou sobre a “necessidade de interação do setor acadêmico” e foi enfático ao lembrar que “prestamos serviços ao SUS, somos SUS e temos que ter o pensamento voltado para o SUS”.
O diretor do Icict fez uma saudação especial aos alunos e lembrou que o Salão de Leitura Henrique Leonel Lenzi, da Biblioteca de Manguinhos, já foi palco de grandes eventos na Fiocruz. Ele afirmou que o Icict “é uma casa aberta ao livre conhecimento e a Biblioteca de Manguinhos tem sido fundamental neste sentido, por ser um espaço vivo” e também cumprimentou os bibliotecários, pelo seu dia (12/03). Murtinho agradeceu à Presidência da Fiocruz pelo apoio e parceria que “tem sido fundamental” e destacou a importância do SUS – “nosso objeto maior de pesquisa”.
Na mesma linha de defesa do Sistema Único de Saúde, Manuel Barral falou da “necessidade de capacitação profissional dos profissionais e trabalhadores do SUS” e enfatizou a “integração entre ensino e pesquisa”. Ele defendeu também a valorização dos alunos dos cursos de pós-graduação da Fiocruz e a necessidde de “se manter vínculos com os egressos”.
“É uma honra enorme ter Naomar Monteiro de Almeida Filho aqui. Ele ajudou a construir a Saúde Coletiva no Brasil, enquanto um campo multidisciplinar e transdisciplinar, é um dos pesquisadores que lutou por uma epidemiologia crítica”, com essas palavras, Christovam Barcellos abriu a palestra do pesquisador da UFBA. Naomar estruturou sua aula-palestra em três pilares: ‘A Sociedade e a intolerância’, ‘O Estado e a censura’ e ‘A Universidade e o conhecimento’.
A partir daí, ele falou sobre questões contemporâneas, fazendo um panorama da crise que se abate no Brasil, principalmente, sobre a sociedade, o estado e Universidade. O pesquisador da UFBA chamou a atenção para os conceitos de tempo e espaço que são totalmente diferentes do que eram há 10 e há 100 anos – “o nosso tempo é projetado”, abordando as novas tecnologias, como o celular, e as mídias digitais, que deixam a todos hiperconectados. “Ela [a hiperconectividade] se torna tão massiva que quebra barreiras. As diferenças se acentuam, a sociedade é mais multicultural e menos harmônica”, afirmou. Naomar também enfocou o contexto econômico-político, quando o conhecimento se torna o principal ativo.
O pesquisador da UFBA formulou cinco hipóteses que explicam o Brasil hoje. Na primeira - Sobre a iniquidade estruturante da sociedade brasileira – ele lembrou que a sociedade brasileira tem suas raízes históricas “no colonialismo e na escravatura, estruturando-se sobre/sob desigualdades, iniquidades, opressões e privilégios”, o que explicaria o “contexto social de mal-estar”, com o aumento das iniquidades sociais.
Na segunda hipótese formulada – Sobre a responsabilidade social do Estado Brasileiro – Naomar demonstra que o “o estado brasileiro não cumpre sua responsabilidade de garantir à sociedade serviços públicos de qualidade, com acesso universal e equidade” e, como exemplo, lembrou da expansão tardia de políticas públicas, a questão “público x privado x social” e a regressão político-ideológica, dentre outros pontos.
Ao refletir sobre a universidade no Brasil, Naomar de Almeida Filho explicou a sua terceira hipótese – sobre a o-missão histórica da Universidade brasileira – fazendo a distinção entre o ensino superior, com funções como instrução de quadros técnicos, replicação de conhecimento disciplinar e tecnologias correlatas e acumulação de capital simbólico, dentre outros; e às missões da Universidade, que seriam a promoção de culturas acadêmicas, formação de intelectuais, criação-produção de conhecimento e crítica cultural, e transformação social. Ele afirmou que, no Brasil, “as instituições universitárias têm cumprido mais as funções do ensino superior do que as missões da própria universidade”; e questionou: “a universidade brasileira é pública ou estatal?” Para ele, no Brasil de hoje, “as instituições universitárias não atendem às demandas concretas da sociedade nem contribuem para sua transformação crítica”.
Em sua quarta hipótese – sobre o papel do Estado brasileiro nos campos da Educação e da Saúde – ele afirmou que “ao não garantir serviços públicos com qualidade, o Estado brasileiro é promotor de iniquidades sociais”. Como referência, Naomar citou o artigo “Who, and what, causes health inequities? Reflections on emerging debates from an exploratory Latin American/North American workshop” (Quem e o que causam as inequidades em saúde? Reflexões sobre os debates que emergem de uma oficina exploratória latino e norte-americana) (no qual é um dos co-autores). Ele explicou que a equidade – em uma sociedade justa e solidária – se traduziria em quatro pontos: os riscos de adoecer seriam homogêneos para todos os grupos da população; todos os cidadãos estariam cobertos por programas eficientes de promoção e proteção da saúde; sistemas e serviços de assistência e recuperação da saúde seriam a todos garantidos e, por fim, nesse contexto de equidade social, efetividade, humanização e qualidade do cuidado seriam igualmente disponibilizados a todos.
“Sobre a produção-reprodução de iniquidades na Educação/Saúde” é a última hipótese levantada pelo pesquisador da UFBA. Para ele, “as raízes da qualidade diferencial do cuidado encontram-se nas práticas de formação de recursos humanos em saúde produtoras de sujeitos competentes para a reprodução e consolidação das iniquidades em Saúde”. Ele destacou que os “mecanismos de produção de ‘competências para formentar iniquidades’ podem ser identificados no sistema de formação técnico-profissional desse sujeitos (universidades, faculdades, escolas, cursos, programas e etc.)”.
Para Naomar, o grande desafio será “fazer valer a experiência de quase três décadas de construção do SUS”. Ele preconiza uma universidade formadora de cidadãos “críticos, criativos, engajados” e, principalmente, “rebeldes, porém competentes”. Para ele, a universidade – como fomentadora da ecologia de saberes – “será imprescindível à luta pela superação das desigualdades sociais”. Para isso, é necessária a Pedagogia da Autonomia, que enfatiza:
O público ouviu atento as explanações do pesquisador da UFBA e, ao final da palestra, foi aberta uma sessão de perguntas, mediadas por Cristina Guilam, coordenadora geral de Pós-Graduação da Fiocruz.
Encerrando o evento, houve o lançamento oficial do livro “Comunicação, mídia e saúde – novos agentes, novas agendas”, organizado pelo Umberto Trigueiros, ex-diretor do Icict, e Cristiane d´Avila, jornalista da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), em comemoração aos 30 anos do Icict. O livro pode ser baixado ao lado.
O pesquisador Naomar de Almeida Filho concedeu uma entrevista exclusiva ao site do Icict. Ele falou sobre a construção de uma universidade de fato pública, da participação social e a saúde pública, das perspectivas para a Universidade e a saúde pública, do diálogo da comunicação e informação em saúde com a saúde pública e a epidemologia.
Ao final da entrevista, o pesquisador da UFBA deixou uma mensagem para os alunos de pós-graduação do Icict. Veja abaixo.
Veja a galeria de fotos do evento, acesse a apresentação do pesquisador da UFBA e explore os links de obras de Naomar de Almeida Filho ao lado.
Fluxogramas e tabela: apresentação Naomar de Almeida Filho (UFBA)
Vídeo - Entrevista, gravação & edição: Graça Portela (Ascom/Icict/Fiocruz)
Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz)
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