Entrevista: Marcelo Rossal destaca a relação entre a Antropologia e o campo da Comunicação e Saúde

por
Graça Portela (Ascom/Icict/Fiocruz)
,
05/11/2024

Crédito: Marcelo Rossal | Foto: Juan Angel Urruzola em  Notas con etiqueta “Marcelo Rossal”

Entre as suas aulas como professor adjunto da Faculdade de Humanidades e Ciências e da Educação, da Universidade da República do Uruguai (UdelaR), e suas pesquisas como antropólogo atuante pela mesma UdelaR e integrante do Sistema Nacional de Pesquisadores, Marcelo Rossal concedeu por e-mail uma entrevista ao site do Icict, onde abordou, dentre outros pontos, a relação entre a Antropologia e o campo da Comunicação e Saúde. 

Rossal foi supervisor de Luana Alencar, aluna de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde – PPGICS, em seu período de permanência na Universidade da República do Uruguai – UdelaR, durante o desenvolvimento da sua tese intitulada “Usuárias de crack, Campanhas e Profissionais de Saúde: os discursos das e sobre mulheres que fazem uso problemático de drogas” – orientanda por Kátia Lerner, pesquisadora do Laboratório de Comunicação e Saúde (Laces) e professora do PPGICS. 

A aluna do PPGICS viajou a Montevideu pelo Programa Institucional de Internacionalização, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) – CAPES/Print.

Defendida em setembro deste ano, a tese traz a análise dos discursos de mulheres usuárias de crack sobre si e as campanhas nacionais de combate à droga, além de ouvir os profissionais de saúde do Consultório na Rua, de Juiz de Fora (Minas Gerais). Rossal, em seus artigos, destaca a vulnerabilidade social e a violação dos direitos por agentes do poder público em relação aos usuários de crack, em especial os jovens. 

Leia abaixo a entrevista completa (traduzida).

A tese da Luana Alencar analisa os discursos de mulheres usuárias de crack sobre si, bem como das campanhas nacionais de combate ao crack e dos profissionais de saúde do Consultório na Rua (CR). O senhor veria pontos em comum ou pontos divergentes com a situação no Uruguai? Quais? 

Há pontos em comum e divergências: as campanhas no Uruguai têm sido diferentes das do Brasil, pois a redução de danos rege toda a política de drogas do país desde 2004. Nesse sentido, campanhas de terror e estigmatização não são comuns no país. No entanto, a estigmatização de mulheres usuárias de pasta de cocaína é muito presente e está ligada a discursos aporofóbicos (sentimento de aversão ao pobre), já que os usuários de cocaína fumável no país são basicamente pessoas em situação de pobreza.

Seus estudos abordam as trajetórias de vida de sujeitos precarizados e a intervenção administrativa e punitiva dos dispositivos médicos e policiais. Em que ponto seus estudos se aproximam da pesquisa desenvolvida por Luana?

O campo de pesquisa de Luana também foi desenvolvido em contextos de altíssima vulnerabilidade social e de violação dos direitos de seus interlocutores. Evidentemente, médicos e policiais têm um poder muito forte em relação aos usuários de drogas, que, embora no caso uruguaio o uso de qualquer substância não seja crime, estão altamente vulneráveis a qualquer possível crime cometido em seu ambiente, assim como os direitos diminuídos das mães que vivem na rua e usam pasta-base de cocaína, cujos filhos podem ser retirados delas em caso de qualquer inconveniente.

 

 

Que novos caminhos, em sua opinião, podem ser criados ou descobertos na união entre a Antropologia e o ensino de Comunicação e Saúde?

Basicamente em três aspectos: o ético-metodológico, o teórico e o de intervenção. No campo ético-metodológico, é evidente que os estudos aprofundados que exigem um grande diálogo com as pessoas, como os estudos etnográficos, têm implicações éticas relevantes que, em relação ao campo da medicina, têm complexidades diferentes que relacionam o ético com o metodológico: todos os procedimentos de pesquisa etnográfica devem passar pelo crivo de uma reflexividade deontológica e para além das burocracias das comissões de ética. Por outro lado, a antropologia médica desde os seus primórdios teve uma relação com a comunicação, sobretudo no que diz respeito às diferentes alteridades que coexistem numa sociedade e aos direitos aos cuidados de saúde: os primeiros antropólogos médicos, para além do respeito pela diversidade cultural, procuraram facilitar o acesso aos cuidados de saúde às populações vulneráveis e também em situação de contacto cultural e mesmo de tutela colonial. Assim, numa sociedade diversa, plural e desigual, será possível comunicar adequadamente no domínio da saúde sem o apoio das ferramentas centrais da antropologia médica? Por outras palavras, tanto no campo da investigação como no da intervenção, a relação entre a antropologia e a comunicação em saúde é essencial.

Como o senhor vê a parceria entre a Universidad de la República (UdelaR, Montevideo, Uruguay) e o Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde (PPGICS)/Icict/Fiocruz?

A maior parte do intercâmbio científico entre a Universidade da República e a Fiocruz realiza-se no domínio da investigação em matéria de saúde, também em concertação com o Instituto Pasteur de Montevideu. Em diferentes momentos, esse intercâmbio foi muito frutífero. Quanto ao intercâmbio com a Área Social da Universidade da República, há muitas áreas a explorar, tanto entre a Faculdade de Informação e Comunicação, a Faculdade de Ciências Sociais e a Faculdade de Humanidades e Ciências da Educação (da qual sou professor). O intercâmbio que se realizou na sequência da investigação de Luana Alencar oferece uma amostra de diferentes formas de acordo, e um acordo de cooperação específico seria um passo razoável a dar.

Os países latino-americanos têm em comum não só a história colonial, mas também as mazelas sócio-econômicas. O senhor crê que essas parcerias entre os programas de pós-graduação ajudariam a um maior intercâmbio de ideias e até planejamentos de políticas públicas para o continente?

É evidente que o intercâmbio entre nossos países é uma realidade que tem muito espaço para ser aprofundada entre nossas instituições. No campo da pesquisa em ciências sociais, embora o Uruguai e o Brasil tenham uma história semelhante, também podemos observar as formas como diferentes questões têm sido tratadas, especialmente em áreas tão sensíveis como o acesso à saúde para populações vulneráveis e o desenvolvimento de políticas de drogas que ponham fim à tragédia produzida pela guerra às drogas.

 

Leia a matéria "Pesquisa sobre usuárias de crack une dois países", com a aluna do PPGICS, Luana Alencar, e sua orientadora Kátia Lerner (Laces e PPGICS).

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Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz)
Av. Brasil, 4.365 - Pavilhão Haity Moussatché - Manguinhos, Rio de Janeiro
CEP: 21040-900 | Tel.: (+55 21) 3865-3131 | Fax.: (+55 21) 2270-2668

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