Saúde urbana do Rio e de Belo Horizonte é debatida em seminário no Icict

por
Graça Portela
,
19/11/2013

Em auditório cheio, foi realizado no dia 18/11 o “Seminário de Integração e Atualização sobre o Observatório de Saúde Urbana Rio-Belo Horizonte”, com o objetivo de trocar informações e metodologias que estão sendo utilizadas nos diversos estudos em desenvolvimento no Laboratório de Informação em Saúde (Lis/Icict).Participaram da mesa de abertura o representante da vice-presidência de Ambiente, Atenção e Promoção à Saúde (VPAAPS/Fiocruz), Annibal Amorin, o coordenador do Lis, Christovam Barcellos e a pesquisadora do Projeto Elsa/Brasil, Simone Santos.

As palavras iniciais foram de Annibal Amorin, que falou da parceria entre a Fiocruz e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ele também destacou a importância de se realizar o seminário, reunindo pesquisadores da Fiocruz interessados e que já pesquisam há muito tempo o tema. Christovam Barcellos falou sobre a relevância da troca de experiências e a tentativa de convergir as pesquisas que estão sendo produzidas na Fiocruz.

Simone Santos fez um breve histórico do que já vem sendo discutido sobre saúde urbana no mundo e o que está sendo feito pelo primeiro Observatório de Saúde Urbana do país, o de Belo Horizonte, uma parceria entre a Fiocruz Minas (Centro de Pesquisas René Rachou) e a UFMG. A pesquisadora falou sobre o escopo do projeto, que trabalha com uma equipe interdisciplinar que, em seu modelo conceitual, considera as influências mundiais e nacionais; os determinantes em nível municipal e as condições urbanas de moradia e trabalho, e os reflexos desses pontos na saúde.

Doenças e seus impactos na cidade

Como bem definiu Christovam Barcellos, o “observatório é um dispositivo para enxergar um determinado problema, mas não é só isso”. Segundo o coordenador do Lis, no caso do Rio de Janeiro, “a pergunta central é o que está acontecendo na cidade em função dos eventos que serão realizados nos próximos anos”. Os estudos foram apresentados, alguns preliminares, tentam descortinar o cenário do Rio de Janeiro com todas as mudanças estruturais, urbanas e sociais feitas visando à Copa do Mundo em 2014, a Copa América de Futebol em 2015 e os Jogos Olímpicos em 2016.

A primeira pesquisa – "Análise espacial das desigualdades intra-urbanas da saúde do Rio de Janeiro: Introdução de um índice de desigualdade" – foi apresentada por Martin Bortz, doutorando da Universidade de Heidelberg, na Alemanha que está fazendo um trabalho em parceria com o Lis. Ele apresentou o “Índice de Disparidade da Saúde Urbana” na tentativa de elaborar cálculos que medissem a questão da desigualdade na saúde, considerando-se dentre outros pontos o tamanho das áreas estudadas, o planejamento e as intervenções do poder público. A partir daí, Bortz analisou o período de 2002 a 2010, com os indicadores-chaves da saúde urbana: doenças infecciosas (tuberculose e HIV), doenças não infecciosas (diabetes, câncer de colo de útero e de mama, e doenças cardíacas); causas externas de morte (homicídios e acidentes de trânsito); e mortalidade infantil. Ele fez a sua pesquisa no bairro da Cidade Nova, zona central da cidade. Ao analisar os números, obteve dados que apontam que em 2003 não há casos registrados de morte por tuberculose na região, mas em 2010 esse número sobe para mais de 120 mil, voltando a apresentar queda muito próxima a zero em 2012.

Ele ressaltou que as ações como a Estratégia de Saúde da Família (ESF), que foi adotada no Rio a partir de 2009, tem um reflexo importante nos casos das doenças, e propôs que a análise poderá ser continuada, considerando-se o impacto do ESF em todas as comunidades carentes, especialmente as das zonas norte e oeste, o que, possivelmente, poderá nivelar as taxas aos índices encontrados com os da zona sul da cidade. Os resultados apresentados por Martin Bortz ainda são preliminares.

Mônica Magalhães, chefe do Núcleo de Geoprocessamento do Lis, apresentou parte dos estudos que tem feito para a sua tese de doutorado, sobre a “Distribuição espacial da tuberculose no município do Rio de Janeiro”. Ela começou informando que no Brasil do século XXI, a tuberculose é um problema de saúde tão grave quanto era no século passado. Em 2010, ocorreram cerca de 71 mil casos de tuberculose, com quase cinco mil mortes. Sendo que o estado do Rio de Janeiro teve 14.206 notificações e a cidade do Rio apresentou mais de 50% dos casos.

Sua proposta foi tentar incorporar a dimensão espacial nas análises da tuberculose, com o objetivo de extrair significados adicionais às análises convencionais, considerando, por exemplo, os locais de ocorrência e associando as condições desses locais. Mônica analisou 28 mil fichas de ocorrências do período de 2005 a 2008, do banco de dados do Sinan – Sistema Nacional de Agravos de Notificação, que possuíam endereços, cruzando informações entre softwares disponíveis no mercado, adquiridos em 2000, e o Google Maps, para georreferenciar não só o Rio, mas a Baixada Fluminense, com o objetivo de fazer uma crítica aos dados encontrados no Sinan.

Ela alertou para alguns problemas recorrentes no preenchimento das fichas, considerando-se que o paciente pode não saber o nome correto do local onde mora ou preferir dar outro endereço, a atendente pode preencher de forma errada e o digitador pode não compreender o que está escrito na ficha ao repassar os dados para o sistema. Na análise preliminar dos resultados de Mônica Magalhães, as taxas de incidência da doença, por conta dos erros nos endereços, variavam muito. Ela exemplificou com o caso de Bonsucesso, que possui um número grande de ocorrências de tuberculose e, no entanto, pela análise feita pela pesquisadora, ficou evidente que os casos em sua grande maioria eram do Complexo do Alemão, pois os residentes naquele bairro não informavam o real bairro de origem. Ela concluiu informando que esses resultados podem trazer algum viés significativo nas pesquisas que são feitas sobre a doença.

Violência e mudanças urbanísticas

“Homicídios no entorno das favelas do Rio” foi o trabalho apresentado por Christovam Barcellos. O grupo de pesquisa, que incluía pesquisadores do Icict, como Renata Gracie, e da Uerj, como Alba Zaluar, fez uma análise georreferenciada pelo local de residência no período de 2005 a 2010, identificando as favelas conforme o “domínio armado” da região por grupos de tráficos de drogas, milícias, neutros e UPPs (Unidade de Polícia Pacificadora), e considerando o número de homicídios por cada faixa de domínio, e a área de influência de cada favela e domínio. No período analisado, cerca de três mil homicídios ocorreram por ano.

Christovam Barcellos e a equipe que analisou os dados questionaram se havia risco elevado em se morar em favelas; se esse risco dependia da localização e do domínio da favela por grupos armados; e se as disputas territoriais entre os grupos podem aumentar o risco de homicídios nas áreas estudadas. As conclusões desse estudo, que aguarda publicação, apontam que a concentração das favelas/domínios ocupa a área entre o Porto do Rio de Janeiro e o Aeroporto Internacional Tom Jobim; a zona norte é a região onde é maior o número dos homicídios; a chamada “milícia” domina a zona oeste e começa a se espalhar pela zona norte e as UPPs estão avançando da zona sul para a zona norte. Segundo os dados analisados por Barcellos, já se vislumbra a médio prazo um enfrentamento entre a polícia e a milícia.

Conforme os dados levantados, as regiões de Manguinhos e Maré, em volta do Complexo do Alemão, Acari e Fazenda Botafogo são fronteiras de confronte entre a milícia e a maior facção de tráfico de drogas do Rio. Os dados também mostram que dentro das favelas não há nenhuma grande diferença na taxa de homicídio por domínio, que varia entre 30 e 50 mortes por ano para cada 100 mil habitantes, muito parecida com o índice da cidade, que gira em torno de 30/40 mortes para cada 100 mil habitantes. Contudo, quando chega-se à área de 100 metros em volta das favelas dominadas é que a diferença aumenta de forma substancial, beirando a mais de 80 mortes para cada 100 mil habitantes. Ao afastar-se dessa faixa territorial, os números voltam a cair, chegando à média municipal.

Fiocruz promovendo a saúde

A equipe do Campus Fiocruz Mata Atlântica, formada por Luiz Madeira, Flávia Soares e Carmen Beatriz Silveira, trouxe os dados da pesquisa “Saúde urbana no contexto da Colônia Juliano Moreira: a proposta do PDCFMA”, em que relatam o plano de desenvolvimento do Campus (PDCFMA), uma intervenção na área ocupada pela Fiocruz em Jacarepaguá, além de projetos de habitat saudável e promoção da saúde. O plano contempla a regularização fundiária e urbanística, as melhorias habitacionais, a implantação de uma plataforma de tecnologias sociais para a saúde e o projeto de trabalho técnico-social (a contrapartida da Fiocruz às obras do PAC – Programa de Aceleração do Crescimento na região).

Luiz Madeira destacou que a região da Mata Atlântica é área do Rio de Janeiro que está passando por maior impacto de transformação urbanística, seja por conta das obras do PAC, das obras para as Olimpíadas em 2016, seja por conta dos dois eixos de fluxo que estão sendo criados na região: a TransOlímpica, que ligará a Barra da Tijuca, na zona oeste, a Deodoro, na zona norte, e que passará dentro da Colônia, e a TransCarioca, que ligará a Barra da Tijuca ao Aeroporto Internacional Tom Jobim.

Ele afirmou que o CFMA apoiou o processo de regularização fundiária e urbanística de cerca de 220 famílias no Setor 1 do CFMA, o que resultou na incorporação desta área “à cidade formal, em sua dimensão jurídica e urbanística”. Para isso, foram realizadas assembleias para o cadastramento dos moradores; oficinas de consolidação do projeto de urbanização, reassentamento e melhorias habitacionais.

Flávia Soares falou de um dos desdobramentos da Proposta do CFMA, a "Plataforma de Tecnologias Sociais para a Saúde", que visa à apropriação popular de práticas sustentáveis na construção de moradias, com melhores condições de trabalho e renda com menor impacto ambiental; aproveitamento de recursos naturais com tecnologias de baixo custo, como energia solar, água de chuva e fossa verde; educação socioespacial para promoção da saúde sob a perspectiva da habitação e do habitat e a utilização de indicadores de vulnerabilidade física e social para habitação de interesse social. Tudo sempre considerando os determinantes sociais de saúde (DSS), com a criação de metodologias e processos para a formação de lideranças locais.

O projeto “Promoção da Saúde sob a perspectiva da habitação e do habitat: educação socioespacial do Campus Fiocruz da Mata Atlântica e adjacências”, outro desdobramento do Programa do Campus Fiocruz Mata Atlântica, foi apresentado por Carmen Beatriz Silveira, que explicou que o objetivo do projeto é contribuir para a promoção da saúde e a construção compartilhada de conhecimentos no CFMT e adjacências, relacionando-as às condições necessárias para assegurar a qualidade de vida no âmbito da habitação e do habitat, principalmente entre os jovens participantes do projeto, alunos do ensino fundamental de uma escola municipal da região. O trabalho foi realizado entre 2012/2013 e abordou a história local e o reconhecimento do espaço vivido, com a valorização das histórias de moradores antigos; a construção e/ou manutenção de uma habitação saudável, e o aprendizado/conhecimento de tecnologias sustentáveis.

Fechando as apresentações, Renata Rabello, do Projeto Teias-Escola Manguinhos, uma iniciativa de cogestão da saúde no bairro de Manguinhos, no Rio, parceria entre a Secretaria Municipal de Saúde da cidade e a Ensp/Fiocruz, trouxe os resultados da "Pesquisa sobre a situação de saúde dos moradores da Região de Manguinhos", realizada no período de fevereiro a dezembro de 2012, com o objetivo de conhecer melhor as condições de saúde e vida da população local, além de indagar sobre o acesso e a utilização dos serviços de saúde da região. Os moradores contam com atendimento público e gratuito na Clínica da Família Victor Valla e no CSE Manguinhos, no campus da Fiocruz em Manguinhos.

Segundo Renata Rabello, foram feitas 955 entrevistas domiciliares, que incluíram 2.918 moradores, e 883 entrevistas individuais. Os moradores responderam perguntas sobre estilo de vida, avaliação da saúde, uso do lixo e consumo de água, escolaridade, renda, acesso ao sistema de saúde e seu desempenho, despesas com saúde e etc.

Alguns resultados chamam a atenção nos estudos realizado pela equipe do Projeto Teias, dentre eles que 35% dos domicílios pesquisados os moradores alegaram preocupação com uma possível falta de alimentos, mesmo que eles tenham tido melhoria nas condições de vida nos últimos anos. A água que chega às casas e é bebida é filtrada em 65% dos domicílios, no entanto, 15% não têm nenhum cuidado em relação à ela e, para surpresa dos pesquisadores, 19% das residências da região optam por comprar água mineral.

Outro componente que chamou a atenção dos pesquisadores foi que, dos moradores que relataram terem tido algum problema de saúde em que foi necessário procurar algum atendimento médico nos últimos 15 dias anteriores à pesquisa, 23% pagam plano de saúde. Por outro lado, 45% foram atendidos nos serviços públicos da área.

À tarde houve uma reunião técnica fechada com os integrantes dos observatórios do Rio e de Belo Horizonte para o estudo das metodologias utilizadas, buscando uma padronização e a definição dos encaminhamentos para os próximos estudos.

Comentar

Preencha caso queira receber a resposta por e-mail.

Galeria de fotos

Annibal Amorin e Christovam Barcellos
Simone Santos
Seminário de Integração e Atualização sobre o Observatório de Saúde Urbana Rio-Belo Horizonte
Martin Bortz
Seminário de Integração e Atualização sobre o Observatório de Saúde Urbana Rio-Belo Horizonte
Seminário de Integração e Atualização sobre o Observatório de Saúde Urbana Rio-Belo Horizonte
Seminário de Integração e Atualização sobre o Observatório de Saúde Urbana Rio-Belo Horizonte
Simone Santos, Annibal Amorin e Christovam Barcellos

Arquivos para download

Saúde Urbana_A saúde dos moradores em Zonas e áreas especiais de interesse social

Descrição: Apresentação da pesquisadora Simone Santos para o Seminário de Integração e Atualização sobre o Observatório de Saúde Urbana Rio-Belo Horizonte

Saúde Urbana_Análise espacial de desigualdades intra-urbanas da saúde no Rio de Janeiro

Apresentação do pesquisador Martin Boltz para o Seminário de Integração e Atualização sobre o Observatório de Saúde Urbana Rio-Belo Horizonte

Saúde Urbana_Distribuição espacial da tuberculose no Rio de Janeiro

Apresentação da pesquisadora Mônica Magalhães para o Seminário de Integração e Atualização sobre o Observatório de Saúde Urbana Rio-Belo Horizonte

Saúde Urbana_Homicídios no entorno de favelas do Rio

Apresentação do pesquisador Christovam Barcellos para o Seminário de Integração e Atualização sobre o Observatório de Saúde Urbana Rio-Belo Horizonte

Saúde Urbana_Pesquisa sobre a situação de saúde dos moradores da região de Manguinhos

Apresentação da pesquisadora Renata Rabello para o Seminário de Integração e Atualização sobre o Observatório de Saúde Urbana Rio-Belo Horizonte

Assuntos relacionados

Laboratório de Informação em Saúde - LIS

Atua na geração e divulgação de informações para a formulação de políticas públicas e monitoramento do sistema de saúde, da situação de saúde da população brasileira e seus determinantes sociais e ambientais.

Para saber mais

Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz)
Av. Brasil, 4.365 - Pavilhão Haity Moussatché - Manguinhos, Rio de Janeiro
CEP: 21040-900 | Tel.: (+55 21) 3865-3131 | Fax.: (+55 21) 2270-2668

Este site é regido pela Política de Acesso Aberto ao Conhecimento, que busca garantir à sociedade o acesso gratuito, público e aberto ao conteúdo integral de toda obra intelectual produzida pela Fiocruz.

O conteúdo deste portal pode ser utilizado para todos os fins não comerciais, respeitados e reservados os direitos morais dos autores.

Logo acesso Aberto 10 anos logo todo somos SUS