Conhecer a saúde do brasileiro, detalhar os perfis de morbidade de doenças, avaliar o acesso e a qualidade dos serviços de saúde da rede pública e relacionar estes dados a indicadores socioeconômicos. Esta é a tarefa a que se propõe a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), coordenada pelo Ministério da Saúde e desenvolvida em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Inédita no país, a iniciativa vem sendo construída desde 2009 e tem previsão de realização em 2013.
A coordenadora do grupo científico à frente da iniciativa, a pesquisadora Célia Landmann (Lis/Icict), explica que, historicamente, as pesquisas sobre a saúde do brasileiro vêm sendo realizadas junto à Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios do IBGE (PNAD). A pesquisadora reconhece que a estratégia é interessante, porque aproveita os recursos e esforços empreendidos no inquérito socioeconômico para investigar questões de saúde, mas alerta que o tema da saúde sempre ocupou um espaço restrito no questionário do IBGE, sem o aprofundamento necessário.
“Os Suplementos de Saúde da PNAD contemplam sobretudo temas relacionados ao desempenho do sistema de saúde, a partir da coleta de informações sobre o acesso e a utilização dos serviços de saúde. A PNS amplia esta abordagem ao incluir um módulo sobre doenças, com ênfase no indivíduo, e questionários específicos para idosos e sobre saúde bucal”, esclarece. Segundo Célia, aos critérios tradicionais contemplados pelos Suplementos de Saúde da PNAD – como aspectos sociais, demográficos e sobre o acesso e a utilização dos serviços de saúde – a PNS acrescenta a aferição de medidas objetivas, como as medidas antropométricas de peso, altura e circunferência da cintura, pressão arterial e a coleta de sangue, para exames laboratoriais.
O pesquisador do Icict Francisco Viacava, que também coordena a iniciativa, informa que além de identificar a ocorrência de doenças na população brasileira a PNS permitirá inferir dados sobre o acesso e a utilização dos serviços de saúde. “Ao comparar os resultados dos exames clínicos com as respostas do questionário, será possível identificar entraves no acesso ao sistema de saúde. O cruzamento dos dados poderá indicar, por exemplo, pacientes com diabetes ou hipertensão que nunca foram diagnosticados”, acrescenta Viacava.
Os pesquisadores reconhecem que o inquérito tem restrições metodológicas, em função do tamanho da amostra que pretende avaliar. “Diferentemente dos sistemas de informação, que operam pela lógica censitária, o inquérito de base populacional representa um corte da população brasileira. A vantagem é uma abordagem ampliada, que permitirá integrar a dimensão socioeconômica e a da saúde, considerando aspectos como equidade, educação, renda, transferência de bens, acesso à saúde suplementar, utilização do SUS, acesso e desfecho do atendimento na rede pública, entre outros”, avalia Célia.
A pesquisadora destaca que a PNS também será útil para relacionar a questão da desigualdade socioeconômica ao acesso aos serviços de saúde e às condições de saúde da população brasileira. “As bases de dados do Ministério da Saúde têm pouco conteúdo social e considerar estes aspectos é fundamental para melhor compreensão dos problemas de saúde pública à luz dos determinantes sociais da saúde”, pondera a pesquisadora. A expectativa dos pesquisadores é que a PNS opere como um instrumento estratégico de gestão do SUS, subsidiando a formulação de políticas públicas na área de promoção, vigilância e atenção à saúde dos brasileiros.
Célia Landmann também destaca o alinhamento da iniciativa à missão institucional do Icict. “O grande objetivo da PNS é gerar informação científica sobre a saúde da população brasileira e disponibilizá-la a gestores, profissionais e conselheiros de saúde e a toda a população. Todo o processo de elaboração do inquérito foi disponibilizado para acompanhamento e os resultados serão igualmente ofertados à sociedade”.
Viacava informa que, para viabilizar o acesso de toda a sociedade aos resultados da PNS, a informação gerada pelo inquérito será disponibilizada em diversas escalas. “O site do Icict concentrará o microdado, direcionado a pesquisadores que utilizam dados amostrais, estudantes das áreas de saúde pública e estatística, entre outros interessados. O dado consolidado e interpretado estará disponível para gestores, profissionais e conselheiros de saúde no DATASUS, através do TABNET. E a população em geral, o público leigo, terá acesso às informações geradas pela PNS através de ações de divulgação científica”, detalha o pesquisador.
O processo de elaboração do questionário que irá compor a PNS teve início em 2009, quando pesquisadores do Icict envolvidos na iniciativa reuniram-se com representantes das áreas acadêmicas e técnicas do Ministério da Saúde para identificar as necessidades a serem contempladas pelo projeto. Os resultados foram consolidados sob a forma de um questionário, disponibilizado em agosto de 2010 para consulta pública na Internet. “Contribuições relevantes, como o maior detalhamento de determinadas doenças no módulo sobre morbidade, foram obtidas durante o período de consulta pública. Agora, as críticas e sugestões acolhidas serão avaliadas e consolidadas, para elaboração final do questionário, que irá a campo em uma fase piloto da PNS em 2012”, Célia Landmann adianta.
Para cumprir este cronograma, até o final do ano os pesquisadores pretendem solucionar questões operacionais da PNS, para então submetê-la ao Comitê Nacional de Ética em Pesquisa. Um exemplo é a logística de coleta de sangue, que ainda não está estabelecida. “As equipes que visitarão os domicílios brasileiros para a realização da pesquisa serão compostas por profissionais do IBGE, que aplicarão os questionários, e técnicos de saúde, responsáveis pela realização de exames e medidas antropométricas. É preciso afinar este fluxo de trabalho e treinar os profissionais”, esclarece Viacava.
Outra questão diz respeito ao sigilo dos dados das pesquisas do IBGE, que se compromete a não identificar as suas fontes de informação – seja um indivíduo, uma empresa ou um serviço de saúde. No entanto, para o sucesso da PNS será fundamental cruzar os dados obtidos no inquérito com informações de outros cadastros e sistemas de informação. E para isso será preciso identificar os participantes, sempre com o devido consentimento livre e esclarecido do cidadão.
De acordo com Viacava, a identificação dos participantes da pesquisa e o cruzamento de dados com outros sistemas de informação do Ministério da Saúde são estratégicos para acompanhar a trajetória dos usuários pelo sistema de saúde. “Os exames realizados durante a PNS podem diagnosticar casos de doenças como hipertensão e diabetes, que serão encaminhados ao serviço de saúde competente. Identificar os indivíduos é fundamental para realizar o encaminhamento e o acompanhamento do paciente”, justifica.
A avaliação da operacionalização do inquérito também será sustentada pelos resultados gerados durante o teste de aplicação do questionário na Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal (Ride/DF), em 2010, para definição da metodologia a ser adotada pela PNS. “Os resultados estão em fase de consolidação e serão mais uma fonte para o aperfeiçoamento do questionário”, acrescenta Viacava.
Os pesquisadores destacam a importância de considerar a PNS um projeto de longo prazo. “O mais relevante no âmbito dos inquéritos de base populacional é a série histórica construída ao longo do tempo, que permite a comparação de resultados e a avaliação das políticas públicas desenvolvidas na área. Por isso, a intenção é que a pesquisa seja realizada a cada cinco anos, de forma a criar uma série histórica integrada a outros protocolos de monitoramento da saúde da população brasileira”, conclui Célia.
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