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Atordoado ele se foi
Dizendo que não aguentou
Cobranças de um mundo o qual não entendeu jamais
Atordoado ele se foi
Parece que não mais voltou
Desistiu de tentar mais uma vez aqui
De forma poética, a música “Atordoado” da banda CPM 22, que foi tema de novela, conta a história de um jovem que não suportou a vida e sucumbiu ao sofrimento. O tema foi abordado com delicadeza e retrata um problema que preocupa os especialistas – o alto índice de suicídio entre os jovens, a terceira causa de morte violenta conforme dados do Ministério da Saúde (o primeiro seria os acidentes de trânsito e o segundo, os homicídios).
Os números extraídos do DataSUS, entre 2012 e 2014, apontam para um leve crescimento na faixa entre 0 e 19 anos, passando de 795 ocorrências (2012) para 818 (2014). No mundo todo, segundo a OMS, 1,3 milhão de jovens morrem de causas evitáveis ou tratáveis e o suicídio é responsável por 7,3% das mortes. Bullying, assédio moral, doenças mentais - em especial a depressão - violência, vício em drogas e ansiedade são fortes gatilhos para o suicídio. No gráfico abaixo, é possível ver como as taxas de suicidio entre jovens disparam nas três últimas décadas.
A psicóloga clínica Verônica Miranda, mestre em Ciências do Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde (PPGICS)/Icict/Fiocruz e integrante do Grupo de Pesquisa em Prevenção do Suicídio – PesqueSUI (Licts/Icict), acredita que a faixa etária entre 12 e 19 anos seja a mais vulnerável à ideação suicida, pois segundo ela, “é quando ocorre, com mais frequência, tentativas de tirar a própria vida e o suicídio. No final da adolescência, temos mais transformações psíquicas e é maior a incidência de doença mental, o que aumenta o risco”. A psicóloga faz um alerta: “você não desenvolve ideação suicida senão em dadas condições, onde transtornos mentais, violência e estresse estão presentes”.
Conforme os dados do Mapa da Violência 2014, extraídos do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, a variação entre 2011 e 2012, entre as cinco regiões do Brasil, mostra que apenas nesses dois anos a Região Norte teve um incremento de 6,6% e a Região Centro-Oeste aumentou 14,4%. Confira na tabela abaixo.
Nas capitais, segundo dados de 2012, Boa Vista (RR) é a que aparece com o maior índice (11,8%), seguida de Teresina (PI) com 10,4%, Rio Branco (AC) com 9,5% e Campo Grande (MS), com 9,% - taxas bem maiores que a média nacional, que é de 5,3%. Saindo das grandes cidades e chegando aos pequenso e médios municípios, Moju, no Pará (41,2%), Cruz Alta (39,7%) e Venâncio Aires (24,9%), ambas no Rio Grande do Sul, Tabatinga (37,3%), no Amazonas, Alfenas (25,7%), em Minas Gerais, são as cinco cidades que lideram as taxas em 2012.
Na faixa etária entre 16 e 17 anos, os números são ainda maiores. Segundo o Mapa da Vioência 2015, em termos de mortes violentas nesta faixa etária no Brasil, entre os anos 1980 e 2013, os acidentes de trânsito representaram um aumento de 71,9% (de 661 em 1980 pra 1.136, em 2013), os suicídios de 80,8% (de 156, em 1980, para 282 notificações, em 2013) e de 640,9% (506 em 180 contra 3.749 em 2013).
Se os números de mortes por sucídio cresceram em três décadas, o número de tentativas também disparou - alteração no preenchimento do formulário). Os dados do Sistema de Internações Hospitalares (SIH)/SUS, do Ministério da Saúde, mostram essa triste realidade:
Para Maria das Graças de Araujo, coordenadora do CVV-Comunidade, “o suicídio é um processo. Na realidade, ninguém quer morrer, as pessoas (que tentam) querem fugir de algo que acham que não tem solução, acabar com a dor e o sofrimento intenso ?pelos quais estão passando. Não é algo que acontece de uma hora ?para? outra”, afirma.
Um exemplo é o sofrimento relatado pela jovem LD (entrevista concedida ao site do Icict em maio de 2014) por causa do bullying que sofreu: “A minha vida toda praticamente (sofri bullying), não lembro a data exata, mas foi até antes da pré-escola”, afirma. Segundo a jovem, as tentativas de suicidio foram muitas: “acho que foram mais de 30 vezes... A maioria delas foi tomando remédios e álcool juntos, mas já cortei os pulsos algumas vezes e me joguei na frente de um carro. Acho que nenhuma das vezes eu queria mesmo morrer, senão eu teria me enforcado logo ou pulado do 10º andar. Eu não queria morrer, só não sabia mais o que fazer da minha vida.”
O seu sofrimento, como a maioria dos casos, não foi compartilhado com os pais. Adolescentes, em especial, sentem-se sozinhos, não comentam sua angústia sequer com os amigos. O psiquiatra da Infância e da Adolescência, José Belisário Filho, fala no documentário “O suicído no Brasil” sobre essa dificuldade:
Nem só os transtornos mentais podem levar alguem ao suicido. Neury Botega, psiquiatra da Unicamp, afirma que pessoas vulneráveis também podem ser aquelas que “sofrem o impacto de um acontecimento que leva ao colapso existencial ou as que sofrem de doenças crônicas incapacitantes”, explica. Enfermidades como dores crônicas, lesões desfigurantes permanentes (como amputações e queimaduras), epilepsia, doenças incapacitantes (como esclerose múltipla, doença de Parkinson, Mal de Paget (osteíte deformante)), lúpus, hanseníase, insuficiência renal, traumas medulares, que levam a paralisias, câncer, Aids são algumas das doenças incapacitantes as quais o psiquiatra da Unicamp se refere.
Em sua experiência clínica, Verônica Miranda, que também trabalha no Ambulatório Souza Araújo, unidade assistencial que presta atendimento a pacientes do Laboratório de Hanseníase do Instituto Oswaldo Cruz (IOC)/Fiocruz, relata que muitos jovens, durante as entrevistas, falam sobre o assunto com eles. Para a psicóloga clínica, uma das formas de lidar com o problema além do tratamento da enfermidade em si, é “melhorar as capacidades perdidas ou afetadas, com isso ir restabelecendo a qualidade de vida e, certamente fomentar políticas como acessibilidade, direitos, etc.”, afirma.
E o que pais, amigos, professores podem fazer por um jovem com ideação suicida? Para Neury Botega, existem duas formas de se lidar com o suicidio. A pior, segundo ele, é “dizer que quem quer se matar, ‘se mata mesmo’; é recitar uma cartilha moral contra o suicídio; é achar que alguém ameaça só para manipular.” Verônica Miranda concorda: “não diminua o que o jovem está sentido e nem tente dar conselhos”, recomenda.
Os dois profissionais defendem a necessidade de se acolher este jovem. Para Veronica Miranda, “mostrar que você se importa e que ele não está sozinho é um primeiro passo. Isso é fundamental!” Para Botega, ê importante mostrar que o jovem nao estah sozinnho: “Dedicar tempo a uma pessoa que fala em suicídio, ouvi-la com atenção e respeito, sem julgá-la. Então, se possível, viabilizar um atendimento e acompanhá-la até um profissional de saúde mental”, afirma.
E nas escolas, pode-se abordar o assunto? “Não!”, afirma Botega, “não se deve falar diretamente, com foco, em suicídio para adolescentes. Falemos sobre stress, depressão, drogadição, a dificuldade que às vezes temos de lidar positivamente com as adversidades. A temática do suicídio virá naturalmente, como uma triste consequência dos problemas que acometem algumas pessoas”, conclui.
Esta é a terceira matéria da série “Não há lirismo no suicídio”. A próxima abordará o suicídio entre idosos.
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Não há lirismo no suicídio: Os números que assustam
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Não há lirismo no suicídio: Do luto à luta
Acesse também o especial "Suicídio", da Agência Fiocruz de Notícias, aqui
Créditos da série "Não há lirismo no suicídio":
Infográficos e produção fotográfica: Vera Lucia Fernandes de Pinho (Ascom/Icict/Fiocruz)
Edição de vídeo e fotografias: Graça Portela (Ascom/Icict/Fiocruz)
Apoio: Raíza Tourinho (Ascom/Icict/Fiocruz) e João Paulo Cofir (Secretaria/Biblioteca de Manguinhos/Fiocruz)
Colaboração: Rosany Bochner (Sinitox/Fiocruz)
Foto & arte Castelo Mourisco: Peter Ilicciev (CCS/Fiocruz)
Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz)
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