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Quando a pesquisadora do Laboratório de Comunicação e Saúde (Laces/Icict) Adriana Aguiar começou a desenhar o projeto “Preceptoria em Programas de Residência no Brasil e Espanha: Ensino, Pesquisa e Gestão” há quatro anos, esperava confirmar as dificuldades encontradas pelos profissionais que exercem a preceptoria na residência em saúde. Mas, ao invés disso, descobriu preceptores engajados em compartilhar com os residentes os seus conhecimentos e ansiosos pela valorização de seu trabalho.
Em fevereiro passado, a pesquisadora finalizou os resultados da pesquisa que ouviu 357 preceptores no Brasil e 100 na Espanha, que atuam nas residências em Medicina de Família e Comunidade. No Brasil, a pesquisadora investigou ainda experiências dos que atuam nas residências multiprofissionais em Saúde da Família e Saúde da Mulher, além de preceptores de residência em Ginecologia e Obstetrícia e Enfermagem Obstétrica.
Dos dados levantados, alguns chamam a atenção, como a faixa etária dos preceptores entre 31 e 40 anos (45,9%), o número de mulheres (70%) à frente de preceptorias, e que a maioria dos preceptores (68,3%) tem o título de especialista. Cerca de 87% dos profissionais do Brasil e da Espanha sentem-se preparados para promover a aprendizagem prática dos residentes e a motivação também é alta nos dois países, com 82,4% no Brasil e 81,1% na Espanha.
Mas nem tudo são flores, como revela Adriana Aguiar. “Os resultados lançam luz sobre uma série de questões que afetam a prática da preceptoria. Eu destacaria a precarização dos vínculos de trabalho, quer dizer, falar da qualidade do ensino e da aprendizagem quando não se tem condições adequadas de trabalho, com rotatividade de pessoas inclusive na própria preceptoria, é uma contradição muito grande”.
Observando a formação do preceptor, Adriana Aguiar ressalta o interesse no Brasil pela especialização. Já na Espanha, um profissional sem residência médica não é aceito para trabalhar no setor público. No caso do Brasil, “o ensino que acontece no âmbito dos serviços de saúde é fundamental para o SUS, pois é lá que parte da formação deve ocorrer”, afirma Adriana. A pesquisadora do Laces justifica a necessidade de profissionalização dos preceptores.
“No caso da preceptoria, o componente educativo tem merecido profissionalização. O preceptor atua tanto na atenção à saúde corriqueiramente, como também acompanha, supervisiona, orienta e avalia profissionais em processo de formação, que são os residentes. Há necessidade de profissionalizar isso como componente da formação e da docência em saúde”, preconiza.
A pesquisadora lembra que na Espanha há a Lei de Ordenação das Profissões Sanitárias, de 2008, que regula a formação e a prática profissional na área da saúde, o que torna coerente a relação entre formação e prática, avançando inclusive na discussão da formação continuada. No Brasil, a situação é um pouco mais delicada. “Embora a Constituição de 1988 diga que o SUS é responsável pela ordenação da formação, quem regula a formação é o Ministério da Educação (MEC), e os Conselhos Profissionais o exercício da profissão”, acrescenta.
Aguiar defende a criação de um marco regulador para o planejamento da formação de recursos humanos em saúde, proposto pela Lei dos Mais Médicos. “Não existe notícia de nenhum sistema universal de saúde de qualidade que não tenha planejamento, monitoramento da força de trabalho, um plano de longo prazo baseado em uma estimativa de necessidades e do tipo de prestação de serviço que se pretende.
Um planejamento da força de trabalho que implica definir o número de vagas da graduação, a localização das escolas, a oferta de vagas de pós-graduação via residência, portanto a formação de preceptores, as demandas presentes e futuras do SUS, levando em conta a demografia, é ainda nova para nós”. A pesquisadora afirma que o Mais Médicos prevê um cadastro de preceptores e de especialistas médicos. “É um marco na ordenação da formação por parte do Ministério da Saúde (MS), mas sua implementação se completa ao longo dos anos e demandará apoios técnicos e políticos, inclusive na formação especializada”.
Adriana Aguiar considera importante falar em comunicação na área da saúde, não só em termos de tecnologias, para facilitar o ensino e a aprendizagem, mas também como ferramenta para analisar e enxergar situações que vão se refletir na ponta do serviço e no atendimento. Para ela, a comunicação não pode ser “minimizada nos currículos”, porque bebe na fonte das Ciências Sociais, e pode construir conhecimento sofisticado de análise das relações de grupos e de indivíduos. “Nas Ciências da Saúde, esse campo teórico ainda é muito pouco explorado. Há inúmeras interrelações mediadas por práticas comunicacionais de várias naturezas”.
Para muitos na área da saúde, a comunicação é reduzida a técnicas de transmissão de informações, uma espécie de habilidade psicomotora que o profissional deve ter, mas na prática é muito mais do que isso. Adriana chama a atenção para a comunicação como competência profissional, implicando na necessidade de os profissionais de saúde disporem de conhecimento de Ciências Humanas e Sociais, para facilitar a leitura dos contextos onde ocorre o cuidado em saúde, o que implica saber lançar mão de conhecimentos, habilidades e atitudes de acordo com a leitura que se faça do contexto.
“A noção de competência amplia muito a expectativa sobre uma comunicação sofisticada o suficiente para dar conta das inúmeras variáveis colocadas na prestação de serviço. Em alguns países, a chamada “competência cultural” é parte obrigatória do currículo e fator de acreditação de escolas de medicina nos EUA. É nisso que o nosso ensino tem que avançar”, afirma.
Outro ponto relevante da pesquisa é o papel dos coordenadores de programas de residência e tutores. “Hoje temos uma grande quantidade de pessoas responsáveis pela oferta desses programas, que têm que interpretar um número enorme de normas, lidar com a questão da governança e da negociação de espaço nesse contexto, pois estamos falando de processos formativos em redes predominantemente municipais”, explica.
A pesquisadora do Laces enfatiza que não se pode avançar em processos formativos em redes à mercê de gestores que mudam a cada quatro anos e que, eventualmente, têm a prerrogativa de desmontar tudo o que estava sendo feito. “Sem falar que os coordenadores também têm que lidar com a mediação entre culturas institucionais diferentes, de nível federal, estadual e municipal, de setores distintos como Educação e Saúde, além das pressões e demandas da rede e dos próprios residentes.
Estamos trabalhando para criar mecanismos de articulação que possam congregar pessoas interessadas na gestão dos programas de modo a maximizar o alcance das conquistas que são feitas. Vi mecanismos de gestão muito sofisticados, mas gerados localmente. Não existe ainda um grau de compartilhamento como é desejável”, explica Adriana Aguiar.
Até o final de 2016, Adriana Aguiar pretende lançar um livro com os resultados do projeto “Preceptoria em Programas de Residência no Brasil e Espanha: Ensino, Pesquisa e Gestão”. Enquanto trabalha na elaboração da obra, a pesquisadora está produzindo artigos a serem publicados e há a possibilidade de a base de dados da pesquisa - que já é considerada a maior do país sobre preceptoria – ser disponibilizada em um site.
“Meu desejo é que esses dados sejam acessíveis. Além disso, estamos em um momento em que a ampliação da residência pode ser feita com qualidade para todos os egressos dos cursos de medicina e de outros cursos. O residente pode ser um agente de transformação importante, e essa retroalimentação entre o trabalho e o aparelho formador é muito interessante”, conclui.
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