Política de acesso aberto da Fiocruz: ampliando caminhos

por
Marcelo Garcia
,
22/06/2016

Tradicionalmente, há dois caminhos seguidos internacionalmente para estimular o acesso aberto: a via verde e a via dourada. A primeira dá conta da criação de repositórios institucionais de acesso aberto nas instituições de ensino e pesquisa. O segundo está relacionado à publicação de revistas científicas em acesso aberto para divulgação desse conhecimento. Dois anos após o estabelecimento da sua política de acesso aberto, a Fiocruz tem avançado nos dois, com o fortalecimento do repositório Arca e a criação do Portal de Periódicos, que facilitou o acesso às suas publicações abertas. Porém, os avanços trazem novos desafios, em especial relacionados à necessidade de consolidar uma nova cultura institucional que estimule o compartilhamento de outros tipos de documentos e produtos, mudança que exige revisão profunda dos próprios fluxos e práticas institucionais.

Apesar de determinar como obrigatório apenas o depósito de dissertações, teses e artigos científicos, a política de acesso aberto da Fiocruz fala sobre a disponibilização de qualquer obra intelectual produzida na Fundação - o que engloba toda a produção científica, técnica, tecnológica, cultural e didático-educacional. O vice-diretor de comunicação e informação do Icict, Rodrigo Murtinho, destaca que essa discussão está inserida num panorama mais geral da centralidade cada vez maior da informação na sociedade e nas instituições públicas e privadas - uma discussão que precisa ser aprofundada na Fiocruz.

“A criação de uma política específica e dos Núcleos de Acesso Aberto ao Conhecimento (NAACs) nas unidades já colocou a informação em outro patamar, mas para seguir adiante teremos que mudar a forma como produzimos conhecimento, do planejamento à disponibilização dos dados”, avalia Murtinho. “Temos trabalhado com todo tipo de material, desde vídeos e fotos a obras raras, para determinar com mais clareza o que pode ser feito com cada um deles, o que é de interesse público e o que não é.”

Lidar com esses materiais, no entanto, traz uma série de desafios, o primeiro deles técnico: como disponibiliza-los de forma aberta, segura e que garanta o crédito dos autores? “Atualmente, o Arca lida com materiais já indexados, algo bem diferente, por exemplo, de dados brutos de pesquisa, que podem ser apresentados na forma de arquivos de texto ou planilhas, por exemplo”, afirma Ana Maranhão, coordenadora do repositório institucional. “Hoje ainda não estamos prontos para receber dados brutos, pois é preciso estabelecer a forma eles como serão apresentados. Sabemos que alguns pesquisadores utilizam repositórios temáticos específicos para esse fim e pretendemos aprender com essas experiências, no intuito de estabelecer alternativas para a disponibilização desse material.”

Mais complicado do que isso, porém, é a necessidade de mudar a cultura de parte da comunidade científica de forma a superar resistências naturais dos pesquisadores. “Esse é um grande desafio, pois ainda há muito receio sobre o que será feito com esses dados de pesquisa, como serão concedidos os devidos créditos pelo material coletado, entre outras questões”, observa Maranhão.

Diversidade de produtos

O próximo passo rumo ao aprofundamento dessa discussão acaba de ser dado, com o lançamento da nova plataforma do Campus Virtual da Fiocruz e a disponibilização dos recursos educacionais da instituição no repositório de acesso aberto Arca REA. Além disso, Maranhão também defende a necessidade de fazer convergir as iniciativas da Fiocruz, com a inclusão, por exemplo, das publicações científicas institucionais (algumas já disponíveis em plataformas como o Scielo) e dos livros publicados pela Editora Fiocruz no repositório. “É importante preservar essa produção dentro da instituição, são materiais produzidos com verbas institucionais e muitas das revistas levam até o nome de unidades, por isso acredito que estariam no âmbito da política, independentemente do autor de um artigo específico ter vínculo com a Fiocruz - mas não há consenso sobre o assunto”, explica.

Além de ampliar seu escopo, a política de acesso aberto tem outro desafio ainda pouco explorado: disponibilizar de forma livre toda a enorme produção científica histórica da Fiocruz. “Apesar de o documento abranger apenas produtos posteriores à sua publicação, não há dúvidas que o acesso a esse rico material ajudaria a preservar o conhecimento produzido na Fundação”, avalia Maranhão. “Seria interessante que cada unidade criasse iniciativas nesse sentido, em especial para a disponibilização da produção recente e que já se encontra em formato digital”.

O Instituto Oswaldo Cruz (IOC), além de ser uma das unidades que mantém seus registros no Arca mais atualizados, também tem se destacado por disponibilizar no repositório sua produção anterior à implementação da política, já tendo inserido os documentos relativos aos anos de 2013 a 2015, além de depositar de forma sistemática a produção relativa a 2016, como afirma Elisa Cupolillo, vice-diretora de Ensino e Comunicação do Instituto. A despeito disso, o IOC foi uma das unidades que manifestou a necessidade de cautela em relação à ampliação do escopo da política de acesso aberto para outros tipos de documentos no momento de sua implementação. A justificativa, segundo Cupolillo, é o entendimento de que é preciso preparar melhor a instituição para dar passos maiores. A pesquisadora argumenta, por exemplo, que dados de pesquisa não passam pelos mesmos processos de validação de qualidade que artigos publicados e que sua disponibilização num repositório institucional conferiria, em alguma medida, um selo institucional a informações ainda em fase de consolidação. “A contribuição de uma política de acesso aberto ao conhecimento é evidente, mas é fundamental refletir sobre fluxos que garantam a qualidade do material que é disponibilizado. No caso de produtos que não passaram pelo processo de revisão que é rotina nas revistas científicas, a quem caberia fazer essa validação? Qual teria que ser a composição dos Naacs, por exemplo, se eles pretendessem realizar essa tarefa?”, argumenta.

Promoção de uma nova cultura

Iniciativas para orientar os pesquisadores sobre os cuidados necessários para uma implementação mais ampla de políticas de acessos aberto e as possibilidades trazidas por sua adoção estão previstas. É o que conta a vice-presidente de Ensino, Informação e Comunicação da Fiocruz, Nísia Trindade. “A adequação das rotinas institucionais em relação à política do acesso aberto e a difusão de conhecimento sobre direito autoral estão entre as nossas prioridades atuais e, por isso, está previsto um curso virtual sobre direito autoral e suas implicações com o Acesso Aberto, que deverá ser realizado até o fim do ano”, prevê.

Nesse sentido, a Fiocruz também tem estabelecido parcerias com a Universidade do Minho, de Portugal, instituição que uma é referência no tema e que já possui uma política de acesso aberto há cerca de dez anos. Inspirada pelo exemplo internacional, Ana Maranhão fala sobre a possibilidade de criação de novos estímulos para que pesquisadores, laboratórios e departamentos invistam no acesso aberto. “No Minho, por exemplo, foram criados incentivos financeiros para estimular a prática no início da implementação da política, de forma a criar uma cultura de acesso aberto na instituição e a naturalizar essa forma de lidar com o conhecimento”, argumenta.

Trindade destaca, ainda, o papel do Icict na defesa e no estímulo ao acesso aberto. “O fato de termos um instituto que tem como objeto a informação é um privilégio, por tratar deste tema em várias dimensões que perpassam o ensino, a pesquisa e a produção de tecnologias e práticas que contribuem de modo efetivo para o alcance da missão da Fiocruz”, pondera. Suas palavras reverberam nas de Murtinho, que relembra a mobilização do Instituto na ocasião do desenvolvimento da política, inclusive de setores que não trabalham diretamente com informação. “A Vídeo Saúde, por exemplo, esteve bem próxima do debate, já que trabalha metas e indicadores voltados para a disponibilização de seus vídeos em acesso aberto”, conta. “Essa é uma mostra da importância que o acesso aberto pode ter para todos os setores da Fiocruz.”

Muito mais do que um objetivo conquistado, fica claro é que a produção de uma política institucional representa muito mais um ponto de partida para novas jornadas. As decisões estratégicas tomadas agora influenciarão toda a produção de conhecimento da Fiocruz pelas próximas décadas.

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