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Quando se preparava para o doutorado no Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde (PPGICS)/Icict, Paulo Marques pensava em “aprofundar o conhecimento sobre repositórios institucionais”, algo que já vinha trabalhando em sua vida acadêmica e profissional. Mas, uma conversa com seus orientadores – Cristina Guimarães, do PPGICS e do Laboratório de Informação Científica e Tecnológica em Saúde - LICTS/Icict, e Renato Souza, da Escola de Matemática Aplicada (EMAp), da Fundação Getúlio Vargas (FGV) – mudou esse rumo: “(...) a conversa acabou desviando para o tema de financiamento para pesquisa e de como era difícil ter estes dados para analisar. Ingenuamente, perguntei se os dados não eram publicados no Diário Oficial da União (DOU) e a resposta que tive foi como se eu estivesse sendo desafiado: ‘há sete anos venho tentando alguém que possa me dar esses dados.’ Três dias depois, eu estava recuperando o DOU, o que na época pensei, ‘meu doutorado está pronto’ (risos)”, explica Marques. Sua tese foi defendida em março de 2017.
A pesquisa feita por Marques desenvolve uma metodologia de extração de dados do DOU, com o objetivo de mostrar o padrão público de financiamento para a pesquisa de dengue, entre os anos de 2005 e 2014. A ideia é que os gestores, pesquisadores e tomadores de decisão consigam fazer uma análise das políticas públicas da área. Os dados levantados foram categorizados e sistematizados “em conjunto com outras bases como a Plataforma Lattes e o Google Acadêmico”, afirma Marques em seu resumo da tese. Segundo o pesquisador, “os resultados apresentam a distribuição do financiamento por pesquisador, região demográfica, agência de fomento, instituição e ano. A metodologia desenvolvida, embora com limites, é um passo importante no manejo do DOU e trazem à tona os dados de financiamento para pesquisa em dengue”. Sua tese foi defendida em março de 2017.
Segundo Cristina Guimarães, é fundamental analisar a dinâmica das pesquisas científicas e avaliar os seus resultados: “a avaliação é, em uma perspectiva endógena, uma etapa constitutiva da dinâmica da ciência, e pode ser tomada como um ‘filtro de qualidade’ que seleciona, pelo mérito, relevância e pertinência, àquelas contribuições que serão incorporadas à base de conhecimento já existente”. Ela também afirma, que a partir de uma perspectiva exógena, “a avaliação pode ser tomada como um instrumento da politica científica, operando nos limites entre Estado, Ciência e Sociedade, buscando legitimação para os investimentos (especialmente financeiros) feitos no campo da pesquisa que, teoricamente, são feitos em nome do bem estar social. De forma clara, quando no campo da pesquisa em saúde, a dimensão da avaliação é muito importante”.
A grande inovação da pesquisa desenvolvida por Paulo Marques, segundo Cristina Guimarães, “foi explorar o Diário Oficial da União- DOU como fonte de dados para mapear e identificar o fluxo de recursos financeiros, públicos, direcionados para pesquisa no país”. A pesquisadora alerta que “não dispomos no Brasil – tal como em grande número dos países ocidentais – de uma base integradora desses registros”. Ela firma que os dados estão dispersos entre vários órgãos financiadores, em formatos diferentes e com graus de visibilidade e acesso também diferenciados. “Dados estão dispersos entre vários órgãos financiadores, em formatos diferentes, e com graus de visibilidade e acesso também diferenciados. Uma vez encontrado uma fonte agregadora, o DOU seguiu-se um grande investimento de pesquisa, que permitiu que os dados pudessem ser extraídos e analisados, ainda que de forma preliminar. Claramente, o quantitativo de recursos aplicados, por si só, não responde ao desafio da avaliação na ciência, mas já fornece uma proxy importante, comparativamente, a outros campos do saber“, explica.
O Diário Oficial da União é dividido em três seções. A primeira enfoca “Leis, decretos, resoluções, instruções normativas, portarias e outros atos normativos de interesse geral”; a segunda, “Atos de interesse dos servidores da Administração Pública Federal” e, por fim, a seção 3 aborda “Contratos, editais, avisos ineditoriais”. O sistema desenvolvido por Marques faz a busca ativa justamente nessas seções.
O menu de busca permite usar um termo de procura, a partir de um ano específico, com a investigação em todas ou em uma seção específica. Por exemplo, ao utilizar o termo “dengue” desde 2014, são listadas todas as referências desde janeiro de 2014, com a página específica, contendo hiperlink para a consulta direta. Ao todo, são listadas 833 páginas da Seção 3, que contenham o termo pesquisado. Ao final da página, é exibido um gráfico de barras com o quantitativo de páginas por ano que fazem referência ao termo buscado. Veja abaixo as imagens:
É possível visualizar também o total de financiamento por pesquisadores; por agência; por financiamento e produção (ano, agência), com distribuição geográfica; por financiamento por rede de coautoria (ano e ranking); por parceria entre instituições; e, futuramente, terá outra forma de busca por financiamento recebido pela rede de co-autoria a partir de um pesquisdor (ano). Marques também incluiu informações sobre a sua produção, como referência para os pesquisadores.
Embora focado em dengue, o sistema também permite a busca por termos como malária e Aids, por exemplo. Em entrevista ao site do Icict, Paulo Marques falou sobre a sua pesquisa e o sistema criado:
Como surgiu a ideia de obter um "Padrão de Financiamento à Pesquisa em Dengue a Partir do Diário Oficial da União"?
Entrei para o doutorado com a ideia de aprofundar o conhecimento sobre repositórios institucionais, assunto este que já vinha trabalhando tanto acadêmica quanto profissionalmente. Em minha primeira reunião com minha orientadora Cristina Guimarães e meu segundo orientador Renato Souza (EMAP/FGV), falamos do que poderia ser o meu estudo, mas a conversa acabou desviando para o tema de financiamento para pesquisa e de como era difícil ter estes dados para analisar. Ingenuamente, perguntei se os dados não eram publicados no Diário Oficial da União e a resposta que tive foi como se eu estivesse sendo desafiado: "Há sete anos venho tentando alguém que possa me dar esses dados." Três dias depois, eu estava recuperando o DOU, o que na época pensei, "meu doutorado está pronto" (risos).
Por que o tema ‘dengue’ foi escolhido?
A dengue é uma doença recorrente e que ainda não há cura, apenas medicamentos para aliviar os sintomas. Esta é uma doença presente no Brasil com números de casos alarmantes a cada ano e ela está no grupo das doenças negligenciadas. Dentre outras características, doenças negligenciadas são aquelas que recebem pouco ou nenhum dinheiro para pesquisa. Esta é uma doença que deixa o paciente fora de suas atividades do dia a dia durante duas semanas, o que desencadeia uma série de gastos para o Sistema de Saúde com medicamentos para alívio dos sintomas.
Você utilizou algum sistema especial para fazer essa coleta de dados?
Toda a coleta de dados foi (semi) automatizada, utilizando pequenos programas (scripts) desenvolvidos por mim na linguagem Python. O processo de coleta dos dados se deu pelo download de cada página do DOU que são disponibilizadas em arquivo no formato PDF. Em seguida, foi feita a conversão do formato PDF para texto (TXT). Os arquivos, já em formato TXT, foram indexados para facilitar a recuperação.
Em que sua tese e também o sistema criado por você podem ajudar outros pesquisadores?
A primeira fase da pesquisa resultou no desenvolvimento de uma ferramenta disponibilizada para acesso público. Nela, é possível realizar buscas por termos no DOU filtrando por ano e/ou Seção. Mesmo que o pesquisador esteja buscando por algum termo que nada tenha relação com "financiamento", ele jå se beneficia pelo simples fato de não ser limitado pelo período de um ano como no portal da Imprensa Nacional que possui um sistema de busca para o DOU.
Especificamente sobre "financiamento federal para pesquisa em dengue", o sistema possui visualizações dinâmicas que auxiliam na análise dos dados.
O que representa esse mapeamento no DOU e qual a importância dele para a pesquisa em saúde no Brasil?
Na pesquisa, foi usada a análise visual, do inglês visual analytics, para dar sentido aos dados. A transição dos dados brutos para gráficos torna mais visível a distribuição do fomento, seja por qual categoria for.
Para a pesquisa em saúde no Brasil, este estudo pode servir de base para a mudança das polîticas públicas de financiamento. O estudo mostrou que a variação no financiamento para a pesquisa em dengue está diretamente relacionada com a produção acadêmica dos pesquisadores, porém com um gap de dois anos. Estudos futuros podem se valer disso e verificar, quanto tempo depois da publicação, surgem as patentes ou se as políticas públicas serão (re)pensadas para se adequarem às necessidades da população, por exemplo.
Em seu sistema, é possível obter dados desde 1992. O que representa uma pesquisa tão vasta como esta? O sistema será sempre atualizado?
Na verdade, o sistema desenvolvido recupera dados desde 1990. Porém, a pesquisa teve um recorte temporal de 2005 a 2014, totalizando dez anos. Em tempos de big data torna-se cada vez mais importante os estudos que contemplem uma grande quantidade de dados. Entretanto, ressalto que a grande quantidade de dados pode levar a associações espúrias, ou seja, associações falsas. Um exemplo clássico para isso é a relação entre beber café e adquirir cânce de pulmão. Como boa parte dos fumantes bebe muito café, podemos encontrar associações entre beber café e e ter câncer no pulmão, mas beber café não é a causa.
Você gostaria de dizer mais alguma coisa?
Gostaria de agradecer à minha orientadora Cristina Guimarães e ao PPGICS, e me coloco à disposição daqueles que quiserem trocar ideias sobre o tema.
Acesse ao lado, o site FarejaDOU e faça uso do sistema, que é gratuito.
Foto Paulo Marques: arquivo pessoal
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Comentários
Roberta Goldstein
seg, 29/05/2017 - 12:53
FarejaDOU
Prezados Parabéns pela matéria e Paulo Parabéns pela Tese , precisamos de inovações como esta para o pelo desenvolvimento do processo de gestão das pesquisa no país . Contudo, não encontrei o FarejaDOU no google. Tem como enviar o link ?
graca.portela
seg, 29/05/2017 - 14:21
O link do FarejaDOU
Olá Sra. Roberta, O link encontra-se na ao lado da matéria, na seção "Para saber mais", no lado direito. Att, Assessoria de Comunicação do Icict/Fiocruz
CLAUDIO MANUEL RODRIGUES
seg, 29/05/2017 - 11:10
FarejaDOU
Parabéns pela iniciativa, muito útil não só para busca por financiamento mas por assuntos pertinentes ao objeto de estudo.
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