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Um público diferenciado lotou na manhã de quarta-feira (9/12) o Salão de Leitura da Biblioteca de Manguinhos. Com gestos ligeiros expressando efusivas conversas silenciosas, aguardava o início do evento “Deficiência, funcionalidade e acessibilidade: implicações para os direitos à comunicação, informação e saúde”, último do ano realizado pelo Centro de Estudos do Icict.
Com o objetivo de mobilizar a comunidade Fiocruz e a sociedade para a implementação de práticas comunicacionais e informacionais acessíveis e a formulação de políticas públicas inclusivas, o evento contou com medidas especiais de acessibilidade para os participantes - grande parte funcionários da Fiocruz com deficiência ou funcionalidade reduzida -, como intérprete da Língua Brasileira de Sinais (Libras). Aos debatedores foi indicada a leitura de todo o conteúdo exibido, como fotografias, diagramas, desenhos, mapas, gráficos e tabelas.
“Trabalhar a questão da deficiência é perseguir um direito, que no Brasil ainda avançou pouco, pois temos muitas iniquidades do ponto de vista social e humano. Nos falta um conjunto de direitos que está nas leis, mas ainda não foi implementado, e é a mais cara conquista de uma sociedade democrática. Temos que pensar junto com as pessoas com deficiência, e a Fiocruz precisa avançar muito nisso”, ressaltou Umberto Trigueiros, diretor do Icict, na abertura do seminário.
Paulo Abílio, vice-coordenador do Centro de Estudos do Icict, destacou que o seminário é fruto de uma insatisfação pessoal do Grupo de Trabalho sobre Acessibilidade do Icict com relação ao estigma da invisibilidade das pessoas com deficiência, a quem falta mais cuidado de toda a sociedade, que deve viabilizar mais acesso desses cidadãos.
Cristina Rabelais, pesquisadora do Laboratório de Informação em Saúde Lis/Icict, coordenadora do grupo de pesquisa ‘Aprimoramento da Política Pública para Pessoas com Funcionalidade Reduzida - Pessoas com Deficiência e Idosos’ e mediadora da primeira sessão do evento, reforçou a satisfação em ajudar a aprimorar as políticas públicas para pessoas com funcionalidade reduzida. “Cabe à nossa sociedade se preparar para incluir essas pessoas, e dentro dessa casa temos o dever de produzir conhecimento e investir em pesquisas que apontem soluções para a inclusão social”.
A primeira mesa foi composta por Miguel Abud Marcelino, do Lis/Icict e professor da Faculdade de Medicina de Petrópolis (FMP-FASE), que abordou a evolução de conceitos, interfaces e aplicações da Classificação Internacional e Funcionalidade e Incapacidade em Saúde (CIF), além da Convenção Sobre o Direito das Pessoas com Deficiência das Nações Unidas (ONU). Em seguida, Luiza Santos Moreira da Costa, do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal Fluminense (ICS/UFF), avaliou o direito das pessoas com deficiência e seus desafios e perspectivas para a formação e assistência em saúde no curso de medicina.
Em sua palestra, Abud falou sobre a transição do Modelo Biomédico Linear, definido em 1980, para o Modelo Biopsicossocial, Dinâmico e Interativo, adotado em 2001. “Esse modelo linear de 1980 ainda norteia decretos em vigor no país, e reconhece deficiência como deficiência visual, auditiva, mental, física e múltipla, deixando muitas outras de fora. É o modelo “a culpa é sua”, pois atribui ao indivíduo a responsabilidade em lidar com a sua deficiência no ambiente”.
A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), veio substituir em 2001 a anterior, trazendo o Modelo Biopsicossocial, Dinâmico e Interativo. Nesse modelo, a deficiência não é “culpa” do indivíduo, mas ele apresenta um impedimento que limita suas atividades e restringe sua participação em situações da vida real. Contudo, essa classificação não considera que qualquer pessoa, independentemente das condições orgânicas, tem limitações e aptidões variadas para atividades específicas. “A chave da CIF está na atividade de participação, ou seja, qual o grau de dificuldade que o indivíduo enfrenta no ambiente para participar dessas atividades. A CIF indica como incapacidade a interação negativa de fatores ambientais e pessoais e como funcionalidade os aspectos positivos da interação entre o indivíduo e seus fatores contextuais (ambientais e pessoais).
Em 2007 foi assinada pelo Brasil a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que define com deficiência aquelas pessoas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual e sensorial que podem obstruir sua participação na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Em 2015, o Brasil instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, ou Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Segundo a lei, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. “Agora fica claro que a pessoa está privada de seus direitos, não merece caridade, mas sim ter acesso, precisa ser incluída, precisamos de um ambiente acessível, modificar atitudes”, enfatiza Abud.
Na palestra “Direito das Pessoas com Deficiência: desafios e perspectivas para a formação e assistência em saúde”, a professora da UFF Luiza Costa afirmou que é essencial que sejam disponibilizadas muitas formas de adequação da informação às pessoas com deficiência, incluindo o acesso aos serviços de saúde e aos serviços de reabilitação.
“A unidades de saúde deveriam ter intérpretes de Libra, o profissional estar preparado para ter uma boa articulação com esse indivíduo e os estados promoverem ações conjuntas com o Ministério da Educação e instituições de ensino superior, incorporando disciplinas e conteúdos de reabilitação e atenção à saúde das pessoas com deficiência nos currículos de graduação na área da saúde”, enfatizou.
Segundo ela, na UFF é oferecida a disciplina “Inclusão da Atenção à Saúde das Pessoas com Deficiência” no curso de medicina, cujos temas são pensados para que os alunos possam conhecer a realidade desses indivíduos e saber como se comunicar com eles. O objetivo é orientar os futuros médicos sobre como lidar com pessoas com deficiência, oferecendo recursos que podem auxiliar a acessibilidade dessas pessoas. O curso adota o modelo biopsicossocial de perceber a deficiência e o respeito pela diferença como referências, entre outras, e também conteúdos relacionados à comunicação.
“O problema do cego nesta cidade não é a barreira arquitetônica, mas as armadilhas arquitetônicas, como orelhões e caixas dos Correios”. O depoimento de Xiko Gonçalves, desenvolvedor de sistemas do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) e deficiente visual, abriu a segunda sessão do seminário, intitulada “Direito à comunicação e informação e acessibilidade’’.
Responsável pelo desenvolvimento de ferramentas para os cegos como o primeiro ‘preenchedor’ de cheques, um programa para contagem de duração de músicas (ele também é músico e já teve um estúdio em casa), e depois um ledor de tela de computadores, Xiko lembra que ao desenvolver um sistema o profissional deve pensar em como facilitar a vida do usuário. "As páginas dos sistemas dos planos de saúde não têm muita acessibilidade, precisamos sempre de ajuda de alguém para achar um médico no site. Poderiam utilizar pessoas cegas para homologar o site. Existem protocolos mundiais sobre como fazer páginas acessíveis. A falta de atenção a esses protocolos são nossos maiores problemas”, comentou.
O segundo participante da sessão foi o professor e intérprete de Libras Jadson Abraão, militante pelos direitos das pessoas com deficiência. De acordo com ele, a acessibilidade de pessoas surdas para o acesso à saúde existe apenas em lugares muitos específicos, como no Instituto Nacional de Educação de Surdos, em Laranjeiras, no Rio de Janeiro, instituído por D. Pedro II.
“Nos meios de comunicação não há preocupação, por exemplo, em informar as pessoas com deficiência sobre o Zika vírus. Nossos canais são centrados na oralidade, mas falar vai além disso, usamos expressões faciais, sinais, gestos. Precisamos formar gestores públicos em acessibilidade na área da saúde, para saberem como lidar com o cego, com o cadeirante, para perceberem que é uma relação humana e somos todos diferentes. Nessa diversidade temos que aprender a viver e a conviver. E todos temos o direito à comunicação. Para se ter uma ideia, somente em 2010 foi baixado o decreto que cria a profissão de intérprete de Libras”, lamentou Abraão.
Após o seminário, o Icict realizou no mesmo local a Oficina "Acessibilidade web: direito à comunicação e informação", das 14h às 17h, com o objetivo de debater a relevância da acessibilidade web, a partir de parâmetros do W3C (WCAG e WAI-ARIA), experiências de implementação de sites acessíveis na Fiocruz e com foco na leitura do código das páginas por usuário que utiliza software leitor de tela. A atividade foi fechada e voltada para profissionais de TI, designers e outros trabalhadores da Fiocruz da área de desenvolvimento de sistemas de informação.
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