Observatório de Clima e Saúde: 15 anos de estudos sobre a influência das alterações climáticas na saúde coletiva

por
Isabella Motta (Ascom/Icict)
,
19/08/2024

“Passamos pelo menos cinco anos tendo que iniciar nossas apresentações explicando que as mudanças climáticas, sim, existem”. A lembrança é da pesquisadora Renata Gracie, integrante do Observatório de Clima e Saúde, que completa 15 anos em 2024. A fala remete a um momento (não muito distante) em que as alterações no clima do planeta ainda não eram encaradas com a urgência necessária, mas o Observatório já estava constituído e trabalhando. 

Ligado ao Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), o Observatório foi criado 2009 com o objetivo de reunir e analisar dados gerados por diferentes instituições a fim de relacionar as mudanças climáticas e ambientais com a saúde. As informações coletadas resultam em sistemas, mapas e gráficos, além de subsidiar o Observatório na publicação de livros, artigos científicos e notas técnicas e na elaboração de cursos e oficinas. 
  
“Nossa ideia sempre foi ter representantes de várias áreas no Observatório, como pesquisadores, gestores e sociedade civil. O primeiro encontro serviu para que todos contassem o que faziam, para que pudéssemos começar a trabalhar de um ponto comum”, lembra Renata, que participa do projeto desde o início. 

A iniciativa nasceu a partir do desenvolvimento de um sistema de qualidade de água, saneamento e doenças relacionadas ao saneamento ambiental inadequado (DRSAI), com financiamento do Programa de Indução à Pesquisa e ao Desenvolvimento Tecnológico (PIPDT/Icict). A partir desta primeira iniciativa, o Ministério da Saúde solicitou a elaboração de outro sistema, desta vez voltado para mudanças climáticas. Àquela altura, a ideia de emergência climática parecia mais distante.

Em um primeiro momento ficou acordado entre os participantes que o Observatório utilizaria informações levantadas em todo o Brasil e fecharia as análises em quatro áreas de interesse, que se mantêm até hoje: água, ar, vetores e eventos extremos (desastres). As informações também teriam que ser públicas, com acesso irrestrito.  

“Os dados do Observatório de Clima e Saúde não são apenas dados de saúde, são dados de interesse para a saúde, que ajudam a entender um contexto. Não produzimos dados, nós os transformamos em informação útil para o diagnóstico de uma situação de saúde, por exemplo, para avaliar contextos de leptospirose ou dengue”, explica Christovam Barcellos, pesquisador do Icict e coordenador do Observatório. 

A trajetória do Observatório pode ser contada por meio de marcos: quando as primeiras informações foram depositadas no sistema; quando os pesquisadores conseguiram cruzar os dados e analisar as informações pela primeira vez e quando o projeto começou a oferecer cursos para capacitar outros pesquisadores a utilizar o sistema. O pesquisador Diego Xavier destaca, ainda, as parcerias internacionais, que “abriram um leque de oportunidades para o nosso trabalho”. 

Ao longo dos anos, o Observatório se tornou referência na análise e disseminação de informações sobre os impactos das mudanças climáticas na saúde, colaborando para a elaboração de políticas públicas. “O observatório acumulou um vasto conhecimento e estudos detalhados sobre o aumento da incidência de doenças relacionadas ao clima, analisando os impactos da devastação ambiental sobre populações tradicionais e originárias, como povos indígenas, quilombolas, caiçaras e ribeirinhas", afirma Diego. 

Essa expertise é essencial para a compreensão dos riscos emergentes e para o desenvolvimento de estratégias de atenção, prevenção e promoção da saúde”, avalia o vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz (VPAAPS/Fiocruz), Hermano Albuquerque de Castro. “Nos últimos 15 anos, o Observatório tem contribuído significativamente para o desenvolvimento de sistemas de vigilância para o monitoramento dos impactos das mudanças climáticas na saúde, com especial ênfase nas queimadas no Brasil, principalmente na região Amazônia legal e no centro-oeste. É necessário ressaltar, ainda, a importância na promoção da conscientização sobre a interconexão entre saúde e clima”, elogia.

▶️ Assista ao vídeo que celebra os 15 anos do Observatório de Clima e Saúde

Parcerias com instituições nacionais e internacionais

O Observatório de Clima e Saúde é fruto de inúmeras parcerias. Além dos pesquisadores do Icict, também estão envolvidas outras unidades da Fiocruz, como a Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP) e Instituto Oswaldo Cruz (IOC), além de organizações externas como Ministério da Saúde, Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), entre outras.  

Nos últimos anos, o Observatório vem se destacando pela ampliação do trabalho em colaboração com outras instituições, de dentro e fora do Brasil. Atualmente, o Observatório possui cooperação com o órgão francês Institut de Recherche pour le Développement (IRD), na Guiana Francesa, por meio do Laboratório Internacional Misto (da sigla em francês, LMI) para o monitoramento de doenças transmitidas por vetores na Amazônia. 

E em abril deste ano, a equipe do Observatório esteve em Santiago, no Chile, para participar de um seminário como parte do acordo de cooperação internacional firmado entre a Fiocruz e o Ministério da Saúde do Chile. O acordo, assinado em novembro de 2023, prevê a criação de um observatório de clima e saúde chileno, a partir da experiência do projeto brasileiro. 

O Observatório de Clima e Saúde também vem intensificando as parcerias com as populações periféricas, dando suporte e treinamento para que elas atuem diretamente na geração cidadã de dados. Esse movimento teve início durante a pandemia de Covid-19. 

Em junho foi lançado o Mapa de Potencialidades das Periferias, uma parceria entre Observatório, Ministério da Saúde e a Secretaria Nacional de Periferias do Ministério das Cidades. O lançamento aconteceu durante o 1º Encontro Nacional de Observatórios de Saúde nas Periferias, no Rio de Janeiro. 

O Mapa reúne informações sobre empreendimentos de mais de 10 mil periferias urbanas de todos os estados do Brasil. São iniciativas nas áreas de saúde; assistência social; educação e pesquisa; meio ambiente e proteção animal; cultura e recreação; religião; habitação; desenvolvimento e defesa de direitos humanos; associações patronais, profissionais e entidades de produtores rurais, além de comércios locais.

➡️ Mapa de Potencialidades das Periferias

“Nós percebemos que, quanto mais essas organizações se estabelecem nesses territórios, mais a qualidade de vida dessas pessoas melhora. Queremos criar uma rede em que as pessoas olhem, se inspirem e se desenvolvam”, contou a pesquisadora Renata Gracie, durante o lançamento da iniciativa. Ela, que atuou diretamente no desenvolvimento da plataforma, já percebe uma mudança de olhar para essas informações, antes responsabilidade exclusiva de grandes centros de pesquisa. "De forma geral, muitos grupos de populações periféricas têm levantado seus próprios dados. Muitas vezes, elas têm especificidades que não são levantadas pelo Censo, por exemplo, mas que o próprio Censo está revendo. Prova é que o termo FAVELA voltou ao questionário", avaliou.
 
Para além do trabalho com os dados realizado pelos pesquisadores, o Observatório se consolida como um importante tradutor das mensagens que o meio ambiente vem enviando aos pesquisadores. “A gestão pública sempre enfrenta dificuldade de recursos. O que tentamos fazer é priorizar o diagnóstico de situações de saúde, que vai apontar onde a situação está pior e precisa de investimentos mais urgentes. Isso é um poder do Observatório”, reflete Christovam. “E no momento em que a sociedade civil tem acesso a essas informações e entende o quanto ela será afetada pelas mudanças climáticas, ela cobra melhor as ações do poder público”.

 


Registro do encontro que deu origem ao Observatório em 2009 (crédito: acervo pessoal)
 

Seminário marcará os 15 anos do Observatório

Para celebrar os 15 anos de atividades do Observatório de Clima e Saúde será realizado, dia 28 de agosto, o seminário Clima e Saúde: olhares no presente em direção ao futuro, no Rio de Janeiro. 

A programação terá um retrospecto da criação do Observatório, além de painéis sobre o desenvolvimento tecnológico dos sistemas de indicadores; sobre a análise das informações de situação de saúde dentro dos quatro temas de interesse do Observatório; e sobre a comunicação e a divulgação científica para pesquisadores, gestores e sociedade civil.

O Icict e o Observatório convidam gestores, pesquisadores, comunicadores e a sociedade civil para o evento temático, que celebra o aniversário de uma iniciativa de pesquisa fundamental para o enfrentamento dos impactos das mudanças climáticas na saúde. O seminário terá limite de vagas e haverá transmissão online pelo canal da VideoSaúde no YouTube. 

➡️ Acesse a programação completa

➡️ Faça a sua inscrição no evento

Entrevista com Renata Gracie (pesquisadora do Observatório de Clima e Saúde e coordenadora do Laboratório de Informação em Saúde) 
Em janeiro deste ano, a revista científica PLOS One publicou artigo que tem sua coautoria em que relaciona mais de 48 mil mortes no Brasil entre 2010 e 2018 com os efeitos das mudanças climáticas, mais especificamente, das ondas de calor. Os dados, inéditos, foram resultado de uma pesquisa que envolveu o Observatório de Clima e Saúde e outras instituições brasileiras e portuguesas. Qual é a importância desse estudo?  

Renata Gracie: As ondas de calor são um evento direto resultante das mudanças climáticas. Elas acontecem quando a gente tem uma temperatura maior do que se espera para um determinado período e um determinado território. Por conta da elevação da temperatura média global, a gente vem tendo cada vez mais essas alterações nas médias. 

A importância desse estudo é que nós conseguimos, pela primeira vez, fazer a delimitação dos períodos de ondas de calor nas regiões metropolitanas brasileiras. Isso é um dado muito importante porque a onda de calor é um evento extremo difícil de se detectar. No Brasil e na América Latina não há tradição desses estudos – Europa, EUA e Japão já fazem esse acompanhamento desde 2003 (quando houve muitas mortes num período de ondas de calor intensas). Nós estamos começando a entender a importância disso e de como analisar, entender e diagnosticar essas ondas. 

Ao detectarmos um acréscimo nos números de mortalidade, o estudo também ajuda na elaboração de protocolos para ondas de calor. Ainda há alguns pesquisadores que questionam o racismo ambiental, mas nós já temos evidências de que, sim, as populações mais vulneráveis são as mais impactadas pelas mudanças climáticas. 

Outro ponto que o artigo destaca é que a concentração de ondas de calor e da intensidade delas acontece muito nas regiões Norte e Nordeste, em cidades como Belém, Manaus, Fortaleza, Recife e Salvador. No entanto, o número de mortes excedentes nesse período se concentra em cidades como Porto Alegre, Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Por exemplo: Manaus é a segunda região metropolitana com a maior concentração de ondas de calor, mas a mortalidade não acompanhou esse comportamento. 

Isso pode ser explicado por diversas razões: pode ser que tenha relação com inconsistências sistema de informação, já que nós dependemos do Sistema de Informações em Saúde para fazer o levantamento dos dados. Se ele demora a indicar um óbito, pode ser que esse dado não coincida com o período da onda de calor. Outra justificativa possível é a capacidade que as comunidades mais afetadas pelas ondas de calor têm de as pessoas se adaptarem. São regiões naturalmente mais quentes, então, os moradores já estariam mais habituados ao calor, eles já desenvolveram capacidades para lidar com o calor. E uma terceira possibilidade para explicar esse comportamento seria o fato de que estamos falando de sistemas de saúde menos saturados, logo, com capacidade de absorver quem chega passando mal nessas cidades.

📝 Acesse o artigo na íntegra

As análises do Observatório de Clima e Saúde ao longo dos 15 anos de atividades mostram que o bom funcionamento dos sistemas de saúde é um fator determinando para o enfrentamento das ondas de calor. Como a atenção básica/Prefeituras podem agir nesse sentido? 

Renata Gracie - Já é comum ver prefeituras alertando para o excesso de calor e, logo em seguida, para excessos de chuva e inundações. É o que chamamos de sindemia de eventos extremos ou interação de eventos extremos. Essa é uma questão que mexe muito com os sistemas de saúde porque os profissionais estão atendendo pacientes com sintomas de estresse térmico e logo depois têm que atender pessoas com sintomas relacionados à exposição à água suja de inundação. É nesse momento que o sistema pode colapsar.

É necessário que a infraestrutura urbana seja cuidada pelas prefeituras. É uma questão importante porque a população está aumentando e precisa procurar novas formas de moradia. Nós já sabemos que as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) têm impacto positivo na proteção de doenças relacionadas ao saneamento ambiental inadequado, mas elas precisam ter início e fim. A partir de 2014, nós tivemos uma quebra nos investimentos do PAC e, quando as obras param no meio do processo, elas expõem ainda mais os problemas. 

No Rio de Janeiro, por exemplo, nós já estamos sofrendo com o aumento da temperatura. Quando temos uma temperatura mais elevada, combinada com o aumento populacional, a quantidade de água devolvida em forma de esgoto aos mananciais diretamente dificulta o tratamento. E quanto mais nós temos que gastar recursos com esse processo, mais cara fica a água e mais difícil fica a distribuição. É claro que quem tem mais recursos continuará podendo pagar pela água, mas quem tem menos recursos vai ficar com uma água de pior qualidade e, consequentemente, com mais chances desenvolver problemas de saúde. É tudo cíclico, os eventos vão se alimentando. 

A sociedade já entendeu que é preciso haver melhorias na cobertura da atenção básica de saúde para que, quando um evento extremo aconteça, nós estejamos cobertos. Nós, como sociedade civil, devemos saber cobrar do poder público, cobrar baseados em informações que são levantadas pelo Observatório. É também para isso que ele existe. 

Nós precisamos fazer o diagnóstico da situação de saúde em razão das mudanças climáticas e tentar propor medidas de adaptação. Em 2023, o Observatório de Clima e Saúde participou da primeira reunião para a atualização do Plano de Adaptação do Brasil - a última revisão havia sido em 2015/2016. Estamos bem atrasados com relação a isso. Em paralelo também precisamos trabalhar para frear o aumento de temperatura. É necessário que a gente trabalhe nas duas frentes: nos planos de adaptação e incentivando a diminuição da produção de gases do efeito estufa (principalmente de grandes empresas produtoras de alimentos, indústrias etc). Elas são as grandes responsáveis pelo aumento de temperatura. É claro que nós, cidadãos, podemos ajudar, mas o nosso impacto é muito pequeno. Então, sim, essas empresas precisam pagar por isso, elas precisam diminuir o gasto de água e a emissão de poluentes, bem como os países mais ricos precisam apoiar os outros países para mitigação dos efeitos dos gases do efeito estufa. 

Apesar de ser uma estratégia usada por muitas prefeituras para se comunicar diretamente com a população, no artigo vocês citam que os alertas precoces não funcionam muito bem no Brasil. Por quê? 

Renata Gracie - São várias questões envolvidas. Existe a desinformação, que se espalha quando até mesmo pessoas bem-informadas, mas sem o conhecimento especializado, resolvem disseminar informações "técnicas" a respeito de um assunto. Um exemplo: para escrever uma nota técnica, nós usamos dados dos sistemas de informação em saúde, estamos vinculados a uma instituição reconhecida de pesquisa etc. Muita gente cria o seu próprio instituto de pesquisa e começa a publicar materiais, nem sempre comprovados. O Brasil é um país onde se consome muita internet, muita rede social. E há muita oferta de conteúdos, as pessoas são expostas a todo tipo de informação. Fica difícil para o cidadão comum saber o que consumir. 

E cada vez mais as pessoas que criam notícias falsas estão melhorando as publicações e se aproximando de formatos originais, com logomarca e tudo. É muito importante que, antes de repassar informação, a gente verifique se é verdadeira ou não. Eu mesma faço isso e dá muito trabalho. 

Em outra frente, nós, pesquisadores, precisamos melhorar nossa forma de nos comunicar com a sociedade civil. Precisamos ser mais claros, mais acessíveis. Durante a pandemia, vimos aumentar o desinteresse dos jovens pelos estudos e isso tem impacto na desinformação. Não basta uma pessoa ser alfabetizada, você precisa ser capaz de entender o que está lendo.

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Seminário - Observatório Clima & Saúde: 15 anos - Programação

Quarta-feira, 28/8/24, de 9h às 16h30 Local: Hotel Windsor Florida - R. Ferreira Viana, 81 - Flamengo, Rio de Janeiro - RJ, 22210-040 Vagas: 50 participantes Inscrições: eventos.icict.fiocruz.br

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Para saber mais

Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz)
Av. Brasil, 4.365 - Pavilhão Haity Moussatché - Manguinhos, Rio de Janeiro
CEP: 21040-900 | Tel.: (+55 21) 3865-3131 | Fax.: (+55 21) 2270-2668

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