Debate sobre comunicação e informação em tempos de Zika abre ano letivo de curso de especialização

por
Cristiane d'Avila
,
11/03/2016

Vírus e seus vetores como alegorias do medo e do desconhecido remetem a filmes de ficção científica, ou mesmo de horror. Mas podem também, na opinião da pesquisadora do Laboratório de Comunicação e Saúde (Laces/Icict) e professora do Programa de Pós-graduação em Informação e Comunicação em Saúde (PPGICS/Icict), Inesita Araujo, lembrar a narrativa do cineasta italiano Frederico Fellini, que incluiu em seus filmes personagens cujas presenças desequilibram a trama, expõem conflitos, desnudam fragilidades. Com esse viés, o seminário “Comunicação e Informação em tempos de zika”, realizado na manhã de 10/3 na Biblioteca de Manguinhos, promoveu um intenso debate sobre a epidemia causada por um minúsculo personagem e grande vilão do Brasil atual: o mosquito Aedes aegypti.

Como uma das convidadas do evento, que abriu o ano letivo do curso de especialização lato sensu Comunicação e Saúde do Icict, Inesita Araujo, juntamente com a assessora de comunicação do Instituto Oswaldo Cruz e aluna do PPGICS/Icict, Raquel Aguiar, iniciaram o debate com a palestra “A mídia em meio às ‘emergências’ do vírus Zika: questões para o campo da Comunicação e Saúde”.

“O Zika é mais do que o mosquito Aedes, o vírus, a epidemia. Nunca se viu tamanha mobilização em torno de um evento sanitário. Parece um personagem mítico de filmes de Fellini. Se nós não aprendermos algo agora com tudo o que está acontecendo perderemos a chance de avançar”, comentou Inesita. Para analisar o tema, a pesquisadora apresentou um estudo, integrado às atividades do Observatório Saúde na Mídia, do Laces, em que observa como a mídia fala sobre a saúde, uma vez que as situações extremas, como essa epidemia, exacerbam e tornam mais evidentes questões que já são objeto de atenção e preocupação.

Para explicitar em linhas gerais a pesquisa, a jornalista Raquel Aguiar apresentou uma linha do tempo delineando os principais pontos de atenção sobre o vírus Zika em 2015. “Confrontamos essa linha do tempo a uma análise de capas de jornais impressos dos meses de novembro e dezembro de 2015. Também fizemos um levantamento no website do Ministério da Saúde (MS), por meio do mecanismo de busca, no intuito de identificar anúncios oficiais sobre o tema pelos termos “Zika” e “microcefalia”, explicou.

Os resultados dessa análise ainda serão divulgados em artigo científico a ser publicado pelas pesquisadoras, mas algumas reflexões sobre a relação entre Comunicação e Saúde já foram elaboradoras. As pesquisadoras selecionaram dez questões, a fim de analisar os dados, e com base nelas refletiram sobre midiatização da saúde, silêncio e poder, estigmatização, medo e risco, e sobre as vozes em cena nos discursos que permeiam governo, cientistas e população.

“O vírus zika provoca um transbordamento da ideia de controle, de autocontrole, ou seja, vivemos um tempo obsessivamente preocupado com a ideia de ameaças. Precisamos refletir sobre o quanto a época comunicacional pode ter papel importante nessa boataria do risco e da incerteza”, alertou o pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca Luís Castiel.

Corroborando a argumentação de Inesita Araujo e Raquel Aguiar, Castiel ressaltou que vivemos um processo de individualização e utilitarismo que apresenta paradoxos. “No momento em que sabemos mais sobre o zika aumenta o estresse com nosso poder de controlar essa epidemia, a sensação de não estarmos protegidos de outras doenças emergentes. O que fazer diante do não-saber?”, acrescentou. 

Guilherme Franco Netto, doutor em Epidemiologia da Vice-presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS/Fiocruz), apresentou na palestra “Comunicação e informação em tempos de Zica” dois paradigmas para reflexão sobre o tema. O primeiro propõe abandonar a noção tutelada da comunicação e da informação em favor de uma visão participativa e inclusiva. “Precisamos fazer rupturas nesses esquemas de pensamento segundo os quais a comunicação é compreendida como instrumento gerador de conformidade, de obediência às diretrizes estabelecidas pelos círculos do poder, pela visão de uma comunicação enquanto arena de construção coletiva de significados”, argumentou Franco Netto.

O segundo paradigma, sugere o pesquisador, refere-se à substituição da noção privatista, circunscrita da comunicação e da informação, em favor de uma visão destas enquanto bens comuns e públicos. “Isso implica na construção de uma modelagem da comunicação e da informação através da gestão estratégica da informação, do entendimento do ciclo de vida da informação, da qualidade da informação e da classificação da informação, principalmente em instituições com a complexidade da Fiocruz”, pondera.

O seminário “Comunicação e Informação em tempos de zika” contou com as presenças da vice-presidente de Ensino, Informação e Comunicação, Nísia Trindade Lima, do diretor do Icict, Umberto Trigueiros, e da coordenadora do curso de especialização em Comunicação e Saúde, Janine Cardoso. 

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