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Em matéria, da jornalista Léa Maria Aarão Reis, sobre a refornulação da Lei de Planos de Saúde, o site Carta Maior entrevista a pesquisadora do Laboratório de Informação e Saúde (LIS)/Icict, e coordenadora do Grupo de Estudos em Saúde e Envelhecimento da Fiocruz, Dalia Romero, que falou sobre a população idosa, a saúde e o SUS. Leia na íntegra a matéria:
São quase sete milhões de indivíduos com mais de 60 anos clientes das operadoras de saúde privada no país. Mas em São Paulo e no Rio de Janeiro, quase 500 mil pessoas deixaram de pagar planos de saúde privada segundo dados inéditos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), comparando novembro de 2016 ao mesmo mês de 2017. Proporcionalmente, o maior número de cancelamentos ocorreu em Mato Grosso do Sul: uma queda de 12,21% que corresponde a mais de 50 mil pessoas a menos pagando planos de saúde. Não é pouco.
Por outro lado, o relatório apresentado na Câmara dos Deputados para reformular a Lei de Planos de Saúde prevê reajuste anual após os 60 anos. O atual governo golpista e corrupto, na sua escalada desavergonhada de roubar direitos dos cidadãos, agora começa a atacar os idosos. Pretende rasgar o Estatuto do Idoso, um documento exemplar e copiado por diversos países, que interditava esse ajuste maldoso aplicado a idosas e idosos desde a sua elaboração, em 2004.
Do fim do ano para cá, a proposta indecorosa está na mesa e vem sendo discutida - e repudiada, é claro – por diversas instituições.
Segundo o relator do projeto, deputado Rogério Marinho, do PSDB do Rio Grande do Norte – anote seu nome quando votarem, nas próximas eleições -, a ideia é diluir os novos reajustes aplicados aos 59 anos em cinco parcelas aplicadas a cada cinco anos. Com essas prestações, a mensalidade poderá aumentar em até 20%.
Raspando o açúcar da cobertura do bolo fica o gosto amargo. Na prática, a proposta permite reajustes abusivos à população mais velha, diz o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor. A medida, para os advogados do Idec, intensificará a ‘expulsão’ dos mais velhos dos planos de saúde como ocorria antes de 2004. “Depois dos 60 anos, a renda da população diminui e os gastos em saúde aumentam”, lembram os defensores dos consumidores. Lembram o óbvio.
Com estas perspectivas sombrias, espera-se que o presidente golpista não utilize novamente a TV para mais uma das suas performances mentirosas semelhante à que protagonizou, na véspera do Natal, quando ameaçou os aposentados atuais e chantageou os parlamentares a apoiarem a reforma da Previdência para garantir a continuidade do recebimento de pensões amanhã de todos os beneficiados – e das suas próprias gorjetas marginais.
Num seminário da Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, em novembro último, a questão também foi discutida: eliminá-los mais rápido, abandonando-os de vez, ou ter a dignidade de proteger e preservar a vulnerabilidade dos mais velhos no Brasil?
Envelhecimento saudável sem estado de Bem Estar e sem SUS? foi a indagação desafiadora que ilustrou o tema. Participaram do encontro organizado pelo Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz e pelo seu Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde, o ex-ministro da Saúde e pesquisador da instituição, José Gomes Temporão, a diretora do Núcleo de Estudos em Saúde Pública e Envelhecimento da FioCruz/Minas Gerais Maria Fernanda Lima-Costa e a Coordenadora do Grupo de Estudos em Saúde e Envelhecimento da Fiocruz, Dalia Romero, que conversou com Carta Maior sobre a ameaça que representa a emenda constitucional 95.
‘’Uma desesperança para os mais jovens e uma ameaça perversa ao futuro da população - que gostaria de envelhecer com mais dignidade, ’’ ela diz, antes da conversa com o site.
Carta Maior: A população idosa e os que estão envelhecendo estarão mesmo condenados a viver sem plano de saúde privada e também sem o SUS que está sendo desmantelado e já vive o caos?
Dalia Romero: O SUS foi gestado em períodos de crise econômica e tensão política. Mesmo nos anos da ditadura a sociedade se organizava, participava e colocava a saúde como eixo da construção das bases de uma sociedade democrática com perspectivas de bem-estar. Mesmo então tivemos conquistas nesse sentido. Mas o que vivemos em 2017 realmente é um grande ataque aos nossos direitos, especialmente ao direito de viver com dignidade. O passado deve nos ensinar que devemos continuar na luta. Fortalecer todas as instâncias legítimas de participação social. É dever do cidadão e da sociedade civil avançar nas lutas pelo SUS democrático, universal e público, efetivo para todos. É preciso lutar pela liberdade, por um Estado de Bem Estar e democrático. Sem esses pilares não teremos saúde, educação nem qualidade de vida.
CM: Ao reforçar o SUS os custos em serviços de saúde até diminuem.
DR: Países que em épocas de crise debilitaram o Sistema de Saúde, a Prevenção, Promoção e a Atenção Primária, condenaram grande parte da sua população ao sofrimento e piora da qualidade de vida. Países como a Inglaterra, que, pelo contrário, reforçaram o sistema único de saúde, conseguiram não só melhorar as condições de vida da população, mas também diminuir os custos em serviços nessa área.
CM: Na EC/95 está incluída a possibilidade de reforma da Previdência, que, no final de 2017 esteve em um vota-não-vota, não só porque o governo não contava com os votos necessários para aprová-la, mas também porque tentou a estratégia de confundir, marcando e desmarcando a votação e assim desmobilizando protestos programados para todo o país.
DR: A reforma da Previdência não é um fato isolado. Não são apenas mudanças formais das regras. A reforma da Previdência é um dos pilares do desmonte dos direitos sociais, da imposição de um modelo neoliberal perverso no qual a pessoa é medida e avaliada pelo seu valor e potencial produtivo. Tenta-se impor a narrativa de que para o Brasil ser moderno terá que assimilar a idade à aposentadoria dos países chamados avançados do ponto de vista econômico e demográfico. No entanto, esconde-se que no Brasil, como em muitos dos países dependentes e não desenvolvidos, se envelhece com muita desigualdade e sem suporte social.
CM: Ao que parece as mulheres são mais penalizadas.
DR: No Brasil são muitas as mulheres que precisam se aposentar para cuidar de um familiar. Nos países avançados a aposentadoria realmente se destina ao aproveitamento dos últimos anos da vida. Já no Brasil a proposta é aumentar o tempo de trabalho e reduzir o número de beneficiados (como o Beneficio de Prestação Continuada), o financiamento para a Ciência e Tecnologia e outros tantos dispositivos sociais e econômicos que poderiam melhorar as condições de vida na velhice.
CM: A impotência da velhice no sentido de não ser um agente produtivo pode ser um mito?
DR: Simone de Beauvoir, no seu livro A Velhice, bem dizia que tal qual a condição da mulher, ficar idoso é um fato cultural e não apenas biológico. A sociedade fabrica a impotência da velhice, tal qual fabricou a da mulher. Submetida à alienação social, a velhice torna-se um mal para o homem e condição abjeta aos olhos do mundo.
CM: Já há números e dados confiáveis que atestam o êxodo maciço de idosos, dos planos de saúde privada, em 2017?
DR: Ainda não temos dados exatos sobre o que ocorreu com os planos privados para idosos em 2017. A próxima Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) dará resposta a essa situação que é a consequência das novas medidas que liberam os aumentos dos planos para todas as idades. Pode ser que os idosos migrem para planos privados de menor cobertura, de qualidade inferior de serviços. Sabe-se que as empresas privadas têm como orientação genética a busca do lucro – é uma orientação que submete todas as demais. Uma diretriz que bem define a forma como a saúde é vista por tais empresas: como negócio. Assim, idosos e dependentes que têm alta demanda de assistência nunca serão atrativos para qualquer plano de saúde. O ideal é ter clientes que não precisam do serviço. Uma vez que precisam, os expulsam ou cobram cifras exorbitantes, ou reduzem a oferta dos serviços.
CM: Também é pouco discutido o fato de que idosos - pobres e classe média/média - com doenças preexistentes deverão, forçosamente, procurar o SUS na impossibilidade de arcar com os valores absurdos cobrados por esses planos.
DR: Com a PNS de 2013 provamos que não apenas idosos pobres usam o SUS para atendimento e internação. Um de cada três idosos de classe alta (30%) usou o SUS em seu atendimento mais recente - 68% da classe média e 85% dos pobres.
CM: E estes números são de quatro anos atrás.
DR: Sim. O que mostra que mesmo a classe social com melhor situação econômica não conta com planos de saúde que cobrem todas as suas necessidades. As classes média e média/alta precisam entender que elas também são vulneráveis. Por melhores “empreendedores” que sejam essas pessoas, um acidente ou uma doença pode fragilizá-las e levá-las a necessitar de cuidados que somente um estado de Bem Estar, solidário e equitativo, pode oferecer. Mas a classe média ainda não entendeu que o modelo neoliberal que defende é o mesmo que vai desprezá-la frente a qualquer dificuldade, especialmente na velhice.
CM: Como assim?
DR: A transição demográfica levou a acentuada redução do tamanho familiar. Deste modo, cada vez mais nós encontramos idosos economicamente bem-sucedidos, mas morrendo de tristeza e abandono porque o modelo neoliberal impõe a individualidade. As redes sociais de apoio são abandonadas dentro deste modelo assim como os dispositivos coletivos e comunitários. Já os idosos pobres, que sempre conviveram com tanta adversidade, especialmente as mulheres, aprenderam que uma rede de amigos, familiares e vizinhos é fundamental quando chega a velhice.
No seminário da Fiocruz a pesquisadora mineira Maria Fernanda Lima-Costa destacou a previsão da Constituição de 1988 de promover um sistema de amparo ao idoso para reduzir as desigualdades no envelhecimento no Brasil, que são muito grandes. "Não sabemos as consequências da retirada desses recursos, mas, possivelmente, elas não serão boas. ’’
Dia 1 de outubro é comemorado o Dia Internacional do Idoso, data festejada no Brasil desde 2003. Se passar a reforma, não teremos nem comemoração nem envelhecimento saudável e muito menos estado de Bem Estar Social. E as desigualdades e vulnerabilidade de cidadãos idosos, ou pelo avanço da idade ou por causa das doenças osteo-musculares, e diabetes, que crescem aceleradamente no país no meio dessa população, farão jus ao modelo de saúde pública americano, mais que precário para os pobres - é o que estamos copiando - e não o inglês, o do Bem Estar Social.
Teremos a família precisando intervir, ajudando e agindo (mas como?), cada vez mais, a despeito de suas limitações, para preencher o vazio que o estado não ocupa. Mas isto depende do tamanho da família e de suas possibilidades materiais de assistência e ajuda ao idoso.
Mulheres trabalhando fora, casais apenas com um filho? De que modo há de se assistir os idosos da família?
Seis milhões e meio dos mais velhos brasileiros necessitam de ajuda básica porque têm alguma limitação funcional: vida diária, alimentação, ir ao banheiro, tomar banho, se movimentar em transporte coletivo – a mobilidade fora de casa, para eles, é um pesadelo.
Mais de 50% da nossa população com mais de 75 anos de idade tem dificuldade de autonomia.
Como farão aqueles que não podem ser acompanhados fora e dentro de casa e quem não têm meios para arcar com o custo do salário de acompanhantes especializados?
’As desigualdades no envelhecimento são imensas, ’’ reforça Maria Fernanda. ‘’E o SUS não será a solução porque pode ser considerado um projeto inconcluso. ’’ Ele ainda se encontrava em processo de construção e agora está sendo sucateado deliberadamente.
O vice-presidente da Abrasco - Associação Brasileira de Saúde Coletiva -, José Sestelo, lembra que o plano de saúde bom será difícil de pagar, o plano barato será insuficiente, e o sistema público estará mesmo sucateado. “Então, no médio e talvez no curto prazo, teremos uma crise sanitária, uma crise assistencial de proporções gigantescas”.
Enquanto isto, o faturamento dos planos de saúde vai bem obrigada. Aumentou 12,8% - R$ 158,3 bilhões, em 2016. Os custos cresceram 14,4%, porém o setor encerrou o ano passado com lucro de R$ 6,2 bilhões. Crescimento invejável apesar do que parece ser um início de êxodo dos idosos, de 70,6%.
Aumentar valores dos planos de saúde justamente na idade em que as pessoas mais precisam de cuidados médicos é doloroso, Sestelo conclui.
Doloroso e perverso. Chama-se a isto covardia. Ignomínia. E a ela é preciso resistir, vigorosamente, nas ruas agora e nas urnas, daqui a alguns meses. Os idosos e os moços.
Crédito Foto: CEE Fiocruz
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Comentários
MARIA DA CONCEIÇÃO ARAUJO PEREIRA
qui, 11/01/2018 - 11:02
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