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Luana Alencar e sua orientadora, Kátia Lerner, professora do PPGICS e pesquisadora do Laboratório de Comunicação e Saúde – Laces, do Icict, explicaram como foi feito o trabalho em parceria com a UdelaR e a troca de experiências com realidades, aparentemente distintas, mas tão próximas.
A pesquisa multidimensional analisou os discursos de mulheres usuárias de crack sobre si, bem como o das campanhas nacionais de combate e prevenção ao uso da droga e dos profissionais de saúde do Consultório de Rua (CR), de Juiz de Fora (MG) sobre essas mulheres.
Para a sua tese “Usuárias de crack, Campanhas e Profissionais de Saúde: os discursos das e sobre mulheres que fazem uso problemático de drogas”, a aluna do PPGICS entrevistou oito mulheres e na conversa com elas, foram abordados temas que iam desde o primeiro contato com a droga, até as suas aspirações para o futuro. Paralelo a isso, Luana também ouviu quatro profissionais, da equipe de seis, que compõem o CR: uma enfermeira, uma técnica de enfermagem, uma assistente social e um médico.
Ao todo, foram quatro campanhas federais, de circulação nacional: “Drogas, nem morto” (1998); “Crack, nem pensar!” (2009); “Crack, é possível vencer” (2013) e, por fim, “Você nunca será livre se escolher usar drogas” (2019).
Segundo Luana, “as campanhas tiveram como objetivo entender como essas mulheres são retratadas, se elas tiveram acesso previamente a essas campanhas, se elas se reconheciam ou não nos discursos ali presentes e a opinião delas sobre o conteúdo das peças publicitárias governamentais”, explica.
A doutoranda do PPGICS destaca ainda que “ouvir essas mulheres foi a parte mais importante para entender como e se essas políticas públicas de saúde funcionam e estão em consonância com as demandas das mulheres usuárias”, explica. “Eu chamo a análise de cada uma dessas esferas de tripé: Comunicação, Saúde e Discurso de si” – enfatiza.
Em sua observação de campo, a aluna de doutorado do PPGICS, que também é jornalista e psicanalista, percebeu que as mulheres usuárias de crack se identificaram – “ao menos na hora do grupo focal” – com os discursos das campanhas. Mas, outros pontos chamaram a atenção da pesquisadora: “ao longo do meu trabalho, desde a observação participante até as entrevistas etnográficas, pude perceber que o uso de crack e a situação de rua são consequências de problemas sociais, econômicos e relacionais mais profundos”, explica.
A maternidade foi um tema delicado entre as usuárias - “era um tema que afligia a todas”, explica Luana: “a queixa e o desejo de reaverem seus filhos era e é seu maior sonho”.
A aluna do PPGICS chamou a atenção para um ponto quase que esquecido nos abrigos: o uso abusivo de medicamentos controlados. “Concluí que o uso de remédios controlados, sem a devida fiscalização dos abrigos, pode se tornar potenciais novos usos abusivos por parte das usuárias de crack, gerando ainda mais problemas de saúde, visto que não há uma política de redução de danos para pessoas que fazem o uso abusivo de remédios psiquiátricos controlados no Brasil” - afirma.
A pesquisadora do Icict, Kátia Lerner destacou alguns dos desafios da pesquisa realizada: “Luana fez um trabalho de campo marcado pela extrema delicadeza e, também, coragem. Não é simples realizar trabalhos com grupos em situação de grande vulnerabilidade, com histórias de vida muito duras. A interação com sujeitos de pesquisa é sempre um desafio, mas nesse caso mobilizou doses ainda maiores de sensibilidade e sabedoria que muitas vezes os manuais não ensinam. Essa situação nos interpelou de várias formas, em especial na nossa condição enquanto mulheres, e nos fez refletir em particular sobre relações de poder ligadas a gênero.”
Luana que, além de jornalista é também psicanalista freudiana, destaca que “a escuta de anos das minhas fontes jornalísticas, aliadas ao entendimento da psiquê humana pela escuta psicanalítica me proporcionaram escutas e entrevistas mais profundas com as mulheres entrevistadas.” Por outro lado, ao ouvir “as histórias de vida dessas mulheres, tanto no Brasil, como no Uruguai, me deixaram mais confortável para me autorizar como analista”, afirma a aluna do PPGICS.
Kátia Lerner também ressaltou a parceria com Marcelo Rossal: “Ele foi um grande parceiro, pois além de ser uma especialista no tema – o uso problemático de drogas – e ter larga experiência em etnografia, incorporou Luana em sua pesquisa de campo, provendo acesso a espaços que ela sozinha não conseguiria”, destacou.
Luana também é só elogios ao professor da UdelaR: “O professor Rossal, além de um profissional ímpar e referência na área de drogas no Uruguai, foi um supervisor muito cuidadoso e zeloso. A contribuição dele na minha pesquisa foi desde o afeto em me buscar no aeroporto, na minha chegada a Montevidéu, até compartilhar bibliografias para minha pesquisa, conhecimento multidisciplinar, orientações periódicas, críticas construtivas e caminhadas etnográficas pelo centro da cidade. Aprendi muito sobre antropologia, sobre o tempo do outro, sobre a paciência do etnógrafo e sobretudo sobre a sua ética. Tudo o que aprendi com a professora Kátia e o professor Rossal, me tornaram apta para outras oportunidades em campo” – enfatiza.
A aluna do PPGICS passou seis meses na UdelaR, em Montevídeo, onde juntamente com a equipe do professor Rossal, puderam se aprofundar em pesquisas de campo, junto a pessoas em situação de rua, com uso problemático de drogas.
A viagem e a estadia de Luana Alencar só foram possíveis por meio do Programa Institucional de Internacionalização, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) – CAPES/Print, cujo dois dos objetivos são promover a construção de planos estratégicos de internacionalização e estimular a formação de redes de pesquisas internacionais.
Para Kátia Lerner, “esse é um caminho que deve ser aproveitado, fortalecendo a internacionalização do PPGICS e da pesquisa em geral do Icict, em especial no eixo Sul-Sul. Essa troca de saberes e a perspectiva comparativa são de uma riqueza ímpar para a compreensão mais profunda de nossa própria realidade”, finaliza.
Leia a entrevista exclusiva do antropólogo Marcelo Rossal aqui.
Crédito das imagens: Luana Alencar - Arquivo Pessoal | Kátia Lerner - Raquel Portugal (Multimeios/Icict/Fiocruz)
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