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A divulgação da metodologia utilizada pelo Ministério da Saúde para avaliar os serviços brasileiros e o ranqueamento da saúde pública nacional promoveu debates e reflexões sobre o uso de indicadores compostos ou agregados na avaliação e classificação de instituições, municípios ou países.
A avaliação de políticas e sistemas públicos muitas vezes gera polêmica, no que diz respeito aos resultados atribuídos às experiências analisadas e aos critérios utilizados para tal. Com o Índice de Desempenho do Sistema Único de Saúde (IDSUS) não foi diferente. A divulgação da metodologia utilizada pelo Ministério da Saúde para avaliar os serviços brasileiros e o ranqueamento da saúde pública nacional promoveu debates e reflexões sobre o uso de indicadores compostos ou agregados na avaliação e classificação de instituições, municípios ou países. A crítica geral gira em torno da premissa de que a saúde engloba diversas dimensões da vida humana e, por isso, não pode ser avaliada de forma compartimentalizada, pela soma de diferentes variáveis.
Em artigo publicado no blog do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), José Noronha, pesquisador do Icict / Fiocruz e diretor ad-hoc do Cebes, explica: “A proposta central é de que a saúde é multidimensional e deve ser avaliada matricialmente e não somando variáveis de dimensões diferentes para chegar a um índice único. E ainda pior, em corte transversal, sem levar em conta a evolução de cada uma das variáveis ao longo do tempo”. O resultado, para Noronha, é desastroso: “O IDSUS soma mortalidade infantil com acesso, com taxas de cesarianas, frequência de consultas pré-natais, com cobertura nominal do Programa Saúde da Família e mais outros tantos para chegar ao tal indicador único e classificar Estados e municípios. O resultado não podia ser outro. Atribui ao SUS uma nota medíocre desprovida de significado lógico, que foi logo embalada pela grande imprensa como prova contundente de seu fracasso”, dispara o pesquisador.
Comprometido com a geração de conhecimentos nos campos da Informação e da Comunicação em Saúde, em meio à polêmica, o Icict promoveu, em edição especial do Centro de Estudos que comemorou os 26 anos do Instituto, o seminário “Uso de dados e indicadores para avaliação do SUS”. Formada pelo coordenador do Departamento de Monitoramento e Avaliação do Sistema Único de Saúde do Ministério da Saúde (Demas/MS), Afonso Teixeira dos Reis; a vice-presidenta da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Lígia Bahia; a editora da revista Radis, Eliane Bardanachvili; os pesquisadores do Laboratório de Informação em Saúde do Icict, Cláudia Travassos e Francisco Viacava, e o diretor do Icict, Umberto Trigueiros, a mesa de debates proporcionou a elucidação de diversos aspectos sobre o IDSUS e o levantamento de tantas outras questões pela plateia.
Em sua apresentação, Afonso dos Reis pondera a avaliação de Noronha: “O objetivo do índice é avaliar o quanto uma instituição, no caso o SUS, cumpre seus objetivos – compromisso assumido pelo ministro Alexandre Padilha em seu discurso de posse. Por isso, o Ministério da Saúde optou por um indicador que pudesse dar conta de uma realidade complexa, pois é preciso avaliar se o SUS que temos hoje segue seus próprios princípios. Mas a avaliação não tem o objetivo de classificar os serviços por meio de notas que indicariam a performance de cada município na área da saúde”, garante o coordenador do Demas/MS.
Afonso dos Reis explicou que o IDSUS é composto por 14 indicadores de acesso à saúde e 10 indicadores de efetividade. “O IDSUS opera a partir de um parâmetro considerado ideal, que pode ser alcançado em uma escala de 1 a 10. Cada município é avaliado a partir dessa proposta e recebe uma nota, correspondente a um percentual deste parâmetro ideal. Por exemplo, a nota 5 representa 50% do parâmetro; a nota 10, 100%”, detalha Reis. Segundo ele, o objetivo é avaliar o cumprimento dos princípios do SUS em cada um dos 5.563 municípios brasileiros. Isto é, avaliar como os conceitos de universalidade, equidade, integralidade, descentralização, hierarquização e participação social se expressam, na prática, no acesso dos cidadãos brasileiros aos serviços de saúde – e nas respostas destes serviços aos usuários.
Para a pesquisadora Ligia Bahia, vice-presidenta da Abrasco, o IDSUS peca ao excluir da avaliação as questões envolvendo o financiamento da Saúde – em sua opinião, um dos principais entraves ao acesso e à equidade. “Uma avaliação que considere a integralidade e a equidade do sistema de saúde deve olhar, também, para os recursos financeiros alocados em cada município. Sabemos que o Brasil não é um país homogêneo e suas gritantes desigualdades sociais, políticas e econômicas refletem-se, também, na Saúde”, alerta.
Para Afonso Reis, o IDSUS contribui para uma melhor compreensão sobre o desempenho do sistema de saúde pública brasileiro e aponta os avanços obtidos nos últimos anos e os desafios que ainda persistem. “O IDSUS mostra, de forma sintética, que hoje o SUS está melhor estruturado, sobretudo no acesso à atenção básica. Mas o indicador também revela o déficit de acesso à média e à alta complexidade, que precisa ser superado. Foi justamente este último critério que mais contribuiu para a determinação da ‘nota baixa’, que apontou uma média de 5,5 em todo o País”, pontua Reis.
Proadess: o ponto de partida
Segundo o Ministério da Saúde, o IDSUS é baseado no modelo teórico do Projeto Desenvolvimento de Metodologia de Avaliação do Desempenho do Sistema de Saúde Brasileiro (Proadess), coordenado pelo Icict, e opera a partir de suas quatro dimensões: determinantes da saúde, condições de saúde da população, estrutura do sistema de saúde, porte populacional. No entanto, o pesquisador Francisco Viacava, chefe do Laboratório de Informação em Saúde do Icict e um dos idealizadores do Proadess, relativiza a paridade entre os modelos.
“O Proadess constitui um marco conceitual para a avaliação do desempenho de sistemas de saúde ao propor como eixo central o princípio da equidade, que diz respeito a aspectos como acesso, utilização e financiamento do SUS. Mas o projeto desenvolvido pelo Icict nunca foi pensado para uma avaliação dos municípios e sim para uma macroanálise de todo o sistema de saúde”, pondera Viacava.
A metodologia do Proadess enfatiza, como ponto central de avaliação, a estrutura do sistema de saúde, que deve ser capaz de suprir as necessidades de saúde da população brasileira. “Tais necessidades são, em grande parte, decorrentes de determinantes sociais, políticos e econômicos. Por isso, a avaliação abrange a dimensão da ‘equidade’ como um eixo de análise que deve ser transversal a todas as dimensões da avaliação”, esclarece Viacava.
A caracterização desses problemas de saúde em termos de morbidade, mortalidade, limitação de atividade física e qualidade de vida associada constitui a segunda dimensão de avaliação do Proadess. O objetivo, com isso, é conhecer a magnitude dos problemas e a sua expressão nas diferentes regiões geográficas e grupos sociais do País. Desta forma, o sistema permite o cruzamento de dados para o cálculo de indicadores, com recortes específicos, e contribui para a montagem de um panorama das desigualdades de saúde e de uso dos serviços.
Para Viacava, o perfil de morbimortalidade, que expressa as necessidades de saúde da população, deve orientar a estrutura do sistema de saúde: sua condução, financiamento e recursos. Pois é a estrutura do sistema que condiciona o desempenho dos serviços de saúde. “O objeto principal da avaliação deve incluir as subdimensões acesso, efetividade, eficácia, adequação, continuidade, segurança, aceitabilidade e direitos dos pacientes. No entanto, indicadores importantes sobre a qualidade do serviço, como o tempo de espera para atendimento, índices de reinternação e a ocorrência de complicações evitáveis ainda não puderam ser calculados dada a ausência de dados no Brasil”, completa Viacava.
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