">
Abordar a saúde em seu conceito ampliado, ressaltar a importância dos determinantes sociais da saúde e reforçar a luta da Reforma Sanitária. Estes foram os pontos de partida para o lançamento do Programa Radis – Reunião, Análise e Difusão de Informação sobre Saúde – que completou 30 anos em junho de 2012.
Idealizada em 1982 pelo então professor do Departamento de Ciências Sociais da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz), o economista-sanitarista Sérgio Goes de Paula, a iniciativa foi criada com o objetivo de levar informação em saúde a profissionais e ex-alunos dos cursos da instituição. Hoje, o programa soma mais de 291edições e é referência na comunicação em saúde. A trajetória é marcada pelo perfil inovador das publicações, que somam 88 edições da revista Súmula, 23 da revista Tema, 20 da revista Dados, 36 do jornal Proposta e, até o final de 2012, 124 da revista Radis, que há 10 anos convergiu em um único formato todas as publicações e hoje conta com 77 mil assinantes.
A revista Radis incorporou as publicações, ampliou os conteúdos e trouxe um novo projeto gráfico. Já em sua primeira edição, em agosto de 2002, a revista reafirmou o perfil herdado das publicações anteriores e apresentou em sua matéria de capa as propostas para a saúde dos então seis candidatos à Presidência da República. De lá pra cá, seu conteúdo inclui coberturas importantes – como as das edições da Conferência Nacional de Saúde – e reportagens investigativas que buscam democratizar informações e reafirmar o direto à comunicação como fundamental para a garantia do direito à saúde.
Nestas três décadas, reportagens marcantes registraram momentos históricos da saúde pública brasileira, sempre com um olhar crítico e reflexivo. É emblemática a cobertura da Assembleia Constituinte, em 1988, quando o país se preparava para a redemocratização.
Na mesma época, em 1987, no início da epidemia de Aids no Brasil, quando pouco se sabia sobre a doença, a revista Tema foi o primeiro veículo a discutir amplamente o assunto, desde as questões biológicas da infecção até suas implicações sociais. Em outros momentos, como o início da municipalização da saúde, o Programa Radis percorreu o país para registrar como o processo acontecia em diferentes cidades e mostrar as dificuldades e experiências de sucesso. Suas páginas também deram visibilidade a temas muitas vezes negligenciados, como população indígena, trabalhadores sem terra e violência doméstica – sempre sob a ótica da saúde.
As primeiras publicações do Programa Radis tinham participação maior de economistas e sociólogos. Naquele momento, a comunicação ainda tinha uma lógica de transmissão de informação, mas já contava com um texto conciso, que incluía também análise, especialmente na revista Súmula. As revistas Tema e Dados também não traziam textos muito acadêmicos, como os de uma revista técnico-científica.
A virada jornalística aconteceu entre os anos de 1986 e 1987, a partir de marcos como a posse de Sérgio Arouca como presidente da Fiocruz e a 8º Conferência Nacional de Saúde. Vindos da redação do jornal O Globo, Álvaro César Nascimento, Marcus Barros Pinto, Rogério Lannes, hoje coordenador do Programa Radis, formaram a nova equipe do Programa e construíram o perfil que hoje é o diferencial da revista.
“A mudança aconteceu por uma necessidade de propagar os princípios da Reforma Sanitária e de envolver a sociedade nas discussões da saúde, em especial, das discussões que viriam acontecer durante a Assembleia Constituinte, no ano seguinte. Além disso, a linguagem jornalística era a opção mais apropriada para fazer a interlocução entre a academia, o movimento de políticas públicas que era realizado na época e a sociedade”, avalia Lannes.
O jornalista Álvaro César Nascimento, que fez parte da equipe do Radis durante 14 anos, destaca a cobertura do processo da Assembleia Nacional Constituinte como a mais marcante. “Durante mais de um ano, ficamos no chamado fio da navalha, como jornalistas e ao mesmo tempo militantes da saúde pública. Foi um período virtuoso tanto para o profissional como para o militante político. E ao final, conseguir inserir no texto constitucional a visão ampla da saúde que sempre defendemos foi simplesmente fantástico, derrotando as visões conservadoras que viam a saúde como mais um meio de comércio”, avalia o hoje pesquisador da ENSP/Fiocruz.
Outro destaque dessa transição foi a publicação da primeira reportagem investigativa sobre saúde do trabalhador, na revista Tema nº 9, em novembro1987. O repórter Marcos Barros Pinto foi até o Vale da Ribeira, em São Paulo, e registrou a relação entre a saúde dos agricultores e o uso de agrotóxicos. O olho da matéria destacou a fala de uma senhora que havia perdido o marido, morto em decorrência de complicações derivadas da exposição aos agrotóxicos. A matéria chamou atenção pelo ineditismo do tema – na época a Fiocruz ainda estava implantando o Centro de Estudos de Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh) – e pela pluralidade das vozes incluídas.
A realização de uma busca com a finalidade de ampliar o cadastro de assinantes para públicos estratégicos também foi realizada durante o período. A gratuidade da revista contribuiu para que os objetivos de promover a saúde, a cidadania e divulgar o pensamento sanitário fossem alcançados de forma eficiente. Associações de moradores, sindicatos de trabalhadores, parlamentares, gestores e outros atores importantes passaram a fazer parte do cadastro e receber a Radis.
Com uma linha editorial que defende a Reforma Sanitária, o capítulo de seguridade social da Constituição Federal e o Sistema Único de Saúde (SUS), a revista Radis faz um jornalismo crítico e independente. Característica rara na área da saúde, a publicação se diferencia das vertentes mais comuns, como assessoria de imprensa, produção de materiais educativos e publicidade, que reforçam o modelo campanhista de comunicação em saúde.
Para editora da revista, Eliane Bardanachvili, a Radis exerce um papel fundamental na construção de significados sobre a saúde e o SUS. “Nada é publicado à toa, tudo é pensado com muito cuidado, sempre com uma intenção. Por isso, não somos imparciais, defendemos os ideais sanitaristas e, se for necessário, criticamos para fortalecer. É inviável depender da mídia comercial para entender o conceito ampliado de saúde e os princípios que norteiam o SUS. Oferecemos ao leitor essa possibilidade e buscamos dar voz à sociedade em nossas páginas”, avalia a editora.
Subeditor da Radis, Adriano De Lavor integra a equipe desde 2006 e revela que a relação com a revista é antiga. “Anteriormente, trabalhava em uma ONG que atua na prevenção da Aids e a Radis já era uma referência para mim. Meu primeiro texto publicado na revista foi na seção de cartas, ainda como leitor”, lembra. Entre as matérias mais impactantes que produziu, Adriano destaca a que abordou a formação de agentes comunitários indígenas na Amazônia. “Passamos uma semana na aldeia Vila Nova, na região do Alto do Rio Negro. Lá, acompanhamos a capacitação desses agentes e o resgate de pacientes na área”, conta Adriano. A reportagem é emblemática não apenas pelo seu contexto, mas também porque gerou outras matérias sobre o tema e uma pesquisa acadêmica, desenvolvida por Adriano, doutorando no Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde (PPGICS) do Icict.
Também na equipe desde 2006, o repórter Bruno Dominguez diz que aprende algo novo em cada matéria que escreve. “As reportagens que mais me marcaram foram as que demandaram visitas a lugares distintos. Conhecer pessoas diferentes e outras realidades de nosso país é muito enriquecedor. Um exemplo é a reportagem sobre os 20 anos do Movimento dos Sem Terra, publicada na edição de dezembro de 2009 da revista Radis. Tive a oportunidade de ver de perto como são os acampamentos e assentamentos e tentei descrever um lado pouco visto e falado pela grande imprensa”, destaca o jornalista.
Novata na equipe, com menos de um ano de atuação, a repórter Elisa Batalha passou por batismo de fogo. No primeiro mês de trabalho, participou da cobertura da 14a Conferência Nacional de Saúde, em 2011. A jornalista considera a matéria da capa da edição de maio de 2012, sobre saúde materno-infantil e assistência ao parto, como a mais significativa que produziu. “Partimos de um caso de uma gestante e acompanhamos o parto. Com muita liberdade, pude propor a pauta e aprofundar aspectos relacionados à alta taxa de cesarianas no Brasil, a medicalização do parto, a humanização do nascimento e abordar essas questões sob a ótica da gestante e dos profissionais de saúde”, dispara Eliza.
Coordenada pelo jornalista Rogério Lannes e subcoordenada por Justa Helena de Franco, a equipe da Radis ainda conta com o trabalho da subeditora de arte Marina Boechat, da designer Natália Calzavara e dos estagiários Anna Carolina Düppert e Lucas Pelegrineti. Na área de documentação, Jorge Ricardo Pereira, Laís Tavares e Sandra Suzano Benigno são os profissionais responsáveis. Osvaldo José Filho cuida da mala direta e Fábio Lucas é o responsável pela administração.
Com a palavra, Rogerio Lannes
Em comemoração aos 30 anos do Programa Radis, a Inova ICICT conversou com o seu coordenador, o jornalista Rogério Lannes, que já dedica 25 anos de sua carreira à iniciativa.
InovaIcict - Há 30 anos, abordar saúde em seu conceito ampliado não era comum. Além do pioneirismo neste aspecto, quais foram as inovações que o Programa Radis trouxe para a comunicação em saúde?
Rogerio Lannes - Na época em que o Radis foi lançado já existiam algumas referências sobre o conceito ampliado de saúde, que eram trabalhadas em cursos de saúde pública ou medicina social e preventiva, importantes núcleos de pensamento contra-hegemônicos que combatiam a ditadura militar, como o Centro Brasileiro de Estudos sobre Saúde (Ceres). Mas não havia um periódico ou publicação que tratasse do tema de forma mais aprofundada. Além disso, o Programa trazia como novidade uma característica de educação continuada, feita naquele momento somente por meio de cartilhas ou de textos acadêmicos, de revistas científicas. O Radis adotou um texto mais simplificado, mais dinâmico, inovando neste aspecto também. Outra característica importante foi a implantação de um modelo de observatório, até então incomum nas áreas da saúde e da comunicação. Matérias publicadas sobre saúde na grande imprensa eram analisadas, comentávamos a forma como os assuntos haviam sido tratados, fazíamos correlações com aspectos como custo de vida e renda familiar e, quando necessário, acrescentávamos algumas informações.
InovaIcict - Em 1988, o Radis adotou a linguagem jornalística. Como foi cobrir a Assembleia Constituinte já com este perfil?
Rogerio Lannes - Neste momento, foi possível exercer nosso ofício de repórter. O jornal Proposta era um tablóide que fazia uma cobertura diferenciada do que acontecia no Congresso Nacional. Antecipávamos a discussão, mostrando quais eram os blocos que estavam em conflito, estimulando o debate para reverter a favor da saúde aquela determinada situação. Não informávamos o ocorrido apenas, problematizávamos as questões mais pertinentes para a saúde pública brasileira. Neste sentido, o jornal teve um papel mobilizador.
InovaIcict - O que mudou nesses 30 anos?
Rogerio Lannes - Além de ter se tornado esteticamente mais atraente, a nova revista, com dimensões reduzidas, papel mais leve e maior número de páginas permitiu mais diversidade com menor custo. Conseguimos também alcançar uma periodicidade mensal impecável. Hoje, cada edição tem um custo de impressão inferior a R$ 1,00. Isso garante a gratuidade e é pensado e calculado para atender a demanda que cresce cada vez mais. Nos últimos 10 anos, o número de assinantes aumentou de 32 mil para 77 mil. Metade são assinantes individuais e isso nos orgulha muito. Temos uma lista de espera de cerca de 900 pessoas que querem assinar a revista. Todos os municípios e estados do Brasil recebem a Radis. Instituições de pesquisa, conselhos e secretarias estaduais e municipais de saúde, além de jovens profissionais, estudantes, professores, novas lideranças comunitárias e veículos da mídia nacional e regional também recebem a publicação. Em relação à linha editorial, não houve mudanças. Não somos imparciais desde sempre e assumimos isso. Nós exercemos nas matérias os mesmos princípios que queremos para o SUS, quem participa do discurso são todos os segmentos que estão envolvidos no processo da saúde. A presença de todas essas vozes é uma das nossas principais características.
InovaIcict - A Radis é uma referência no modelo impresso. E na Internet, como o Programa vem trabalhando?
Rogerio Lannes - Há oito anos, sem falhar, publicamos no site a nova edição da revista no primeiro dia do mês. Hoje há mais ênfase aos formatos digitais. Mas o acesso às matérias de saúde com o recorte que fizemos ainda é pequeno. Uma mudança interessante está no perfil de matérias epidemiológicas que tínhamos na Dados, por exemplo. Transformamos conteúdos sobre câncer, regiões metropolitanas, Aids e outros temas, que ocupavam uma edição de 36 páginas, em matérias mais dinâmicas, que trazem um texto que desperte a curiosidade do leitor e apresente os principais dados em, no máximo, seis páginas. A partir dessa leitura, quem se interessar sobre o tema pode buscar aprofundamento procurando estudos, gráficos e tabelas disponíveis na Internet. Com o material de fotografia acontece o mesmo. Também disponibilizamos no site um formulário de sugestão de pauta, que resulta em boas matérias sobre assuntos que muitas vezes não estão na agenda tradicional da saúde. Isso é uma boa sinergia.
InovaIcict - E quanto ao futuro do Programa? Quais as expectativas, o que os leitores podem esperar?
Rogerio Lannes - Queremos manter a credibilidade e a proximidade que conquistamos com os nossos leitores e estimular cada vez mais a participação deles, preservar nossa sintonia com os movimentos sociais da saúde e acentuar a presença das diferentes falas em nossas reportagens. Renovamos nosso site, mas pretendemos avançar mais neste processo, trabalhar as redes sociais e as dinâmicas próprias desse universo, mantendo nossa linha editorial. Outro objetivo é conseguir digitalizar nosso acervo fotográfico e de recortes de jornal, que reúne 250 mil matérias jornalísticas dos últimos 30 anos, devidamente preservadas. Também queremos aumentar nossa função de levar essa experiência para a área acadêmica, em cursos, tanto na pós-graduação, como no nível técnico, que abordam comunicação em saúde.
Revista Tema
Com 23 edições, aprofundava assuntos específicos da área da saúde. Sua primeira edição, em 1982, trouxe como tema Regionalização, municipalização e participação comunitária – Descentralização dos serviços da saúde.
Revista Dados
Analisava em suas páginas informações epidemiológicas. A primeira de suas 20 edições estampou o título Morbidade e Custo de Vida, apresentando um estudo coordenado pela pesquisadora do Icict Célia Landmann, também em 1982.
Revista Súmula
Contabilizou 88 edições e teve como chamada principal na primeira delas, em 1982, Pólio, o êxito das campanhas, abordando a queda brusca da incidência da poliomielite no Brasil.
Jornal Proposta
Publicação em formato tablóide que reforçou o perfil jornalístico do Programa. Foram 36 edições a partir de 1987, com destaque para cobertura da Assembléia Constituinte, em 1988.
Revista Radis
Nasceu da fusão de todas as outras publicações e completa 10 anos em 2012. No fim do ano, chegará a 124 edições, distribuídas mensalmente a 77 mil assinantes.
Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz)
Av. Brasil, 4.365 - Pavilhão Haity Moussatché - Manguinhos, Rio de Janeiro
CEP: 21040-900 | Tel.: (+55 21) 3865-3131 | Fax.: (+55 21) 2270-2668
Este site é regido pela Política de Acesso Aberto ao Conhecimento, que busca garantir à sociedade o acesso gratuito, público e aberto ao conteúdo integral de toda obra intelectual produzida pela Fiocruz.
O conteúdo deste portal pode ser utilizado para todos os fins não comerciais, respeitados e reservados os direitos morais dos autores.